sábado, 14 de agosto de 2010

Joachim e Amélia

Joachim está ali encostado e sente um calor que sufoca. Havendo pouco o que fazer, o que querer, muito pouco talvez, Joachim agarra-se aos rostos que lhe garantem sua certeza última, sua esperança maior, seu pedaço de gente entre antigos e idos iguais, quer entender os risos esparsos em fugidios momentos de lucidez, d'outros que não dele, d'abençoados e não por ela escolhidos... longilínio o braço da loucura amante e isso sabe-o ele... de rostos sem traços e caminhos sem destino, pobres mortais de mentais iluminuras, tão cheio seu encostar abafado, Joachim quer sair mas sabe tarde, muito tarde, não tem volta seu caminho das coisas desacreditadas e por isso sufoca, quer chorar como se soubesse, quer chamar os nomes como se pudesse, quer morrer como se fugisse.
A sala está cheia por ali, de fumo e vazio, de risos alarves em pessoas de sortes vãs de tão fracas. Amélia repara naquele homem ali parado, encostado, acabado, desistido. Quer amá-lo mas tem medo, quer agarrá-lo mas não tem tempo. E ri. Ri. Ri.
Joachim chora e Amélia ri.
Juntos enlouquecem e se enlouquecem.
Juntos morrem!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

emilia ...


Emilia era vinda do fogo, era fugida e perdida no vento, levada em tropel de cavalo alazão e seu guerreiro sem temor, era fúria de guerras perdidas por todos e ninguém, em divinos caminhos de céus quentes e abafados e onde as palavras choravam, choravam sim, sentidos esmagados, sentidos mortos e esquecidos pelo bruto pisar da indiferença. Emilia era pois apenas um sonho salvo e assim se vivia.

- Bom dia! ... disse, respirando a vida e mistério que lhe adentravam alma a fundo, numa orgia de cheiros e memórias, assim era ela em meio ao mundo de estantes e livros por onde aprendera a sobrevivência dos simples. Olhava Emilia sua amiga nos olhos, amiga ganha ao espaço das indiferenças, a mesma e eterna leveza nos gestos, uma magia de movimento nas mãos frágeis e pálidas, que belo era o branco em ausência de cor, que vivo e triste seu olhar, nunca Emilia ousara invadir o santuário de pessoa assim, de deusa terrena, de brutal viagem aos corações que batem assim, de mãos que desenham sem papel, de pássaro que canta sem se ouvir, quem és, quem és, quem és ? ... senão o destino, decerto a voz por dentro sempre esquecida, de um dentro tão secreto e só, de um bocado tão impossível de sonhar e encontrar, como irreais eram as histórias que longe a haviam embalado. Em tropel de cavalo alazão. Quem és? .. perguntava-se sem querer resposta. Sabendo-a e guardando-a em segredo.

- Bom dia ... soou, ecoou, ressoou, voou e ficou. No ar ... no ar que lhe faltava, no mesmo ar em que voava os ventos de mulher livre, Emilia estacou e chorou, chorou toda a vida e bocados deixados em sitios sem lugar, em pessoas que não se deixavam amar assim. Simples. De mãos brancas e frágeis e alma de guerreiros sem temor.

Escolheu um livro e saiu, apressada e cheia, amarrando com força o aroma daquelas estantes de tantas letras, apagadas e gastas de quase esquecimento.

- Amar-te-ei sempre, sabias ? ... murmurou tímida. Por isso sou Emília, soube e pensou !

Cá fora a multidão esperava o dia, servia-se à pressa do mundo e das tardes curtas sem pôr-do-sol, vivia com avidez um céu sem pássaros nem ventos.

- Nós também .. pensou ouvir, julgou saber, como se de sua existência apenas soubessem eles.
O fogo, o vento e os pássaros que desenhavam arabescos no céu, figurinos de magia saídos de mão celeste ...