segunda-feira, 5 de julho de 2010

do alto e da liberdade ...

Porque da torre sem lugar voavam os perigos
Assim sonhando liberdade em céus selvagens
Roubando às almas, a todas as almas, sonhos antigos
Amando-se livres em bocado de longínquas paragens

Os lugares sem tempo, os dias de amor herege
Nebulosos tais caminhos em que sonhas amar
Diria alta a torre que te guarda, te esconde e protege
Exila-te alma, foge sem medo, sai e voa em teu lugar

Imaginadas as noites
Repetidas sem fim
Idas as asas
Assim
Sós

Alta a torre que te enche a vida assim serena
Guardando-te calma em mundo de liberdade
Onde esconderias sonho e segredos sem alma pequena
Relembra-me vida a altura, o momento, com que idade
Aprenderei a amar

quinta-feira, 1 de julho de 2010

rodolfo

A chegada ao recinto da escola trouxe o do costume, nada de novo, a eterna violência nas palavras, os ditoches, os empurrões, um mundo de ódio e indiferença vindos do nada, vindos de ninguém que se julgava gente.

- Gordito, hijo de puta ... ahah !
- Por favor ...
- Não há favores, não para ti, monte de banhas ... escapa-te, escapa-te daqui senão apanhas mais!

E mais ... e mais e mais, haveria de apanhar Rodolfo, seis anitos em corpo disforme de matulão, onde escondia e guardava as lágrimas proibidas de chorar, onde albergava coração de menino bravo e segredo de cristão puro!

Naquela manhã a previsão meteorológica aconselhava todos os cuidados, o anúncio de chuvas pesadas e sem fim à vista trariam as costumeiras tragédias e enxurradas, mas a vida não se trazia com vagares e a busca diária dos biscates a todos arrancava para a cidade e suas esquinas, onde se arrancavam moedas aqui e ali, para a mesa e para o vinho, para trapos se sobrasse, assim se fazia a esperança de sobreviver a um inverno mais, de frio e chuvas, em demasia até para deus distraído, que os tórridos dias de matar o pouco gado aguardariam por ora a sua vez de fustigar de novo em seu inferno as gentes de Ciudad Maria Luz. Com chuva ou sem ela, a canalha invadia a escola, que por lá haveria quem lhes tomasse atenção pelo menos até à hora do mata-bicho a meio do dia. Os baldios, com suas doenças e bicharada, saberiam entretê-los por entre jogos de bola, brigas e desventuras outras, até que o escuro da noite trouxesse os medos do diabo e toda a vila se recolhesse em serões de sobrevivência, por entre zaragatas e juras de amor.

- E não olhes para trás ao fugir gordito ... cabrãozinho bom de apanhar!
- Não olho não ... não se olha para trás quando se deixa o campo dos fracos !
- Que dizes porco ... ? Que dizes ?

Eram as onze horas da manhã e Rodolfo absteve-se de responder. Por ele entrou e falou o poderoso, o todo poderoso, em sua fúria inclemente, em sua justiça do alto. Uma rajada de ventos sobre-humanos, portanto obra d'Ele em ira e de temer, varreu o pátio trazendo o caos geométrico onde a vida perdia os homens de vista, onde as coisas não eram coisas e apenas o medo sorria. Vivalma deixou de se borrar, choravam, choravam e choravam, era a morte e o fim, a solidão que apenas os bravos toleravam, e tudo o pátio vira desmoronar, por ali não havia nem bravura nem cristãos, apenas o esplendor da destruição dos pecados terrenos. Rezam as crónicas que quinze foram os minutos da purga celestial, de um céu enfurecido e sem azuis glorificados, apenas de um negrume sem dó, de um negrume que mortificava os olhares. Quis a ceifa raivosa arrastar a débil e fraca estrutura a que chamavam de escola como se de uma construção de papel se tratasse, não perdoando a ninguém, não esquecendo uns ou outros, fazendo entrar no descontrolado caudal do rio que lhe fazia vizinhança todo um emaranhado de vidas esbracejadas entregues numa orgia de choros rezados.
Manuel, Pedrito e Joaquin viam chegado seu momento, unidos como sempre em sua cumplicidade fraterna, sentiram o estrondo do embate e de mãos dadas gritaram seu último desejo ...

- Por favor, não nos deixes morrer sós Jesus!
- Não há favores por aqui ... estou aqui para apanhar mais, olhei para trás sem fugir!
... respondeu por fim Rodolfo, juntando três mais ao grupo que lhe encontrara os braços fortes, que os escondera do fim.
- Gordito, gordito, que fazes aqui sacana gordito ?
- Cala-te Manuel, um dia perderás o medo ao medo. Um dia saberás ser gente!

Eram talvez horas de descansar os céus e num repente se foi a tormenta. Em dias tornou a normalidade e reassumiu a vida seus contornos de gente apenas simples e fraca. Chorados os idos, idos os escolhidos, voltaram os dias de temer a sobrevivência. Voltou Rodolfo ao seu lugar.

- Gordito, hijo de puta ... ahah !

E Rodolfo de novo se escapou!