sábado, 26 de dezembro de 2009

' lá fora a chuva brinca ' .. ou mais um conto de natal

Frio, faz frio, a chuva brinca em reflexos de magia, como de costume dizem, por estes dias de cheiros perfumados e passos apressados, cheira a coisas de menino Jesus, dizem, serão estes os teus cheiros depois das palavras em cruz dos romanos, em romaria de dor e amor ? .. sem olhos no chão em tempos aqueles, cheira hoje e agora a filhozes e coscorões, está frio, esta porra de frio que não respeita a desgraça, esta chuva de merda que molha sem graça, Maria Ida porque olhas em frente, olhar parado, também perdido, a memória como teu nome, ida do corpo, que mãos tão feias Maria, nem mãos são, serão acaso coisa de esconder nesta época ? ... que mal cheiras em teu buraco, espaço e respirar, leva teu corpo para junto de tua alma, que gente apressada que corre, tanto corre e apenas isso, que maçada mais à fuga dos olhares culpados, porque te lembrarias de morrer agora, trambolho e escolho? ... não tem remorsos o velho barbudo que nasce em cada des'alma da turba que corre, em meio ao cheiro do amor vendido e espalhado, anunciado, às pressas comprado e negociado, e jesus esquecido em tuas roupas de ninguém, morreu Maria há muito no mundo dos homens, morreu Maria ali encostada, acabada, em tristeza abandonada , e eu .... que faço aqui, este cabrão de cheiro a perfume caro e de puta, este não acabar de jingle béles, um frio de merda e sem dó, que caralho, jesus, se tanto te rezei, ai se rezei, não devia falar-te assim, mas todos falam bem sabes, até o padre a quem tanto rezei, ai se fala... se fala e usa, estou perdida, acabada assim, neste inferno de inverno, estou fodida de tanto frio, olha as minhas mãos jesus, em sangue morto sem a glória dos pregos na cruz.
E caiu Maria, neste momento a imagem desfoca-se numa câmera lenta e o embate da velha no chão molhado é acompanhado de orgásmicas gotas de chuva a brilhar e ressaltar numa orgia de pixéis acusadores...
Acudam, acudam, ai que está morta, o pelotão de zombies açucarados estaca e opina, mas que merda de terra é esta que nem um desfibrilhadorzinho disponibiliza a velhos assim, tsk tsk, desconsideração suprema em terra de magalhães, já não se pode correr e ignorar descansado, acudam que ela está morta, onde está o inem, nunca está quando é preciso, ainda outro dia uma prima da minha comadre precisou deles e nada, quando demos por falta dela, dez dias depois, já a coitada tinha apodrecido, licença, com licença, deixem passar os homens, sossegue pai natal, a gente já vai, é só este extrazinho de vida e glória, a gente já te volta ao colo, e Maria por ali, cuidando que a iriam salvar e afinal nada, oxigénio apenas, vida coisa nenhuma, mãe, mãezinha, que fazes aqui ? .. ai jesus acode-me, não carece minha senhora, já os bombeiros o fizeram, não são bombeiros saloio, é o inéme, porra de saloios que enchem o ar assim, ai mãe mas quem te mandou sair do carro? .. eu disse-te que era um instante .. puta, minha puta, um dia não é um instante, a vida não é um instante, puta não, mãezinha, não me chames isso, puta sim minha filha, não me chames mãe, e desculpa jesus, não devia falar assim, mas faço o quê, tanto que rezei caralho, tanto mesmo, por natais que te celebrassem, não destes que te estralhaçam, perdoa-me este falar meu, que todos sabemos às escondidas mas que é feio, não faz jus a este perfume e a tanto laço dourado, ou será doirado ? ... perdoa-me menino esquecido, isso juro não fazer, esquecer-te na cruz onde choraste os homens, estes homens, ainda que tão limpos, tão lindinhos que dão nojo.
A velha recupera, a filha leva-a, a turba reorganiza o postal e pede neve, neve, pede sinos e louvaminhas para o barbudo mais querido do mundo, que lindo, que encarnado, que igual ao de todos os centros comerciais do mundo, e cheira a chanel, a coscorões, e maria morreu finalmente, cabrona de velha sininho que nós não somos nem peter nem pan!!
O pano desce, faz frio ainda e lá fora a chuva brinca em reflexos de magia. Como de costume. Dizem!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

para onde olhas agora ...?

Por onde andavas tu, vento
Quando aprendi a voar ?
A que praia chegavas onda
Quando a maré me levava ?

Que cores tinhas tu, céu
Quando chovia sem parar ?
Em que desenhos rias, sol
Quando deixei de sorrir ?

Por onde andavas mão amiga
Quando se me perdia o olhar ?
Por onde vagueavas Jesus
Quando quis saber-te rezar ?

E em que multidão me perco ?
Em que mundo em turbilhão
De que gentes, deus, me cerco ?
Se nos ventos da solidão
Encontro o sol, a onda e o vento
Perdidos em dias meus
Fugidos no teu olhar
E serão meus olhos teus
Se me ensinares a chorar

Para onde olhas agora, menino Jesus?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

pássaros de sonho sem lugar

O fim da tarde. Chegara o fim da tarde! Não pelo frio nem pelas cores, não pela ausência de horas quentes e por vezes vazias, como vazias seriam as da noite que ali vinha, com força e aviso, o de sempre, chegara e vira partir, sempre e como sempre, alheia a noite, não por nada disto mas por tudo isto talvez, porque não aprendera nunca Pepetito os segredos das poesias esquecidas? .. e sabia ele chegada a hora, de ter saudade de coisa assim, de passagem sem rumor, de dia e infinito fulgor, em asas quase quebradas, mas de voar sem fim, não como os dias que esbarravam nas noites, não como os sonhos que se perdiam, em momentos sem sabor, mas com fulgor, de espanto achava Pepetito, de encanto lhe parecia e fraquito, para onde o levaria o vento, em bater de asas de gente forte, de quem sabe sua sorte, passarinho de frágil alma, de certeza calma, de quem seu ramo sabia deus ... sem teu adeus, caminho vazio de dias sem fim.... viesse a noite e dissesse, olhasse o vento e o levasse, a ele, logo a ele, de Pepetito a surpresa, de quem sabia a certeza, de não haver pássaros assim ! Chegara o fim da tarde. E voaram os pássaros de sonho sem lugar!