quarta-feira, 27 de maio de 2009

afã

Triste, perdida em teu afã
Onde te esqueces
Que será sombrio o amanhã
Onde não te aqueces
E esquecida a vontade sã
Como nada quisesses
Perdida cedo pela manhã
Em tuas preces
E em vida vazia e vã
Por mais que desses
E em vida anã
Nada tivesses

E que fossem os medos o caminho, viessem as lágrimas no destino, fossem de frio os ventos da tarde, seguisse a alma livre e esquecida em corpo incerto, mas trouxessem os dias desalinho, diluissem o desatino, que coisa nada e meio cobarde, te abandonou longe e afinal tão perto....

... em teu afã !!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

mariquito

Mariquito caminhava de volta a casa, brincada que estava a rua, fingida a escola, estafada a bola em correrias sem igual no mundo. Era hora de ter fome, de sonhar acabá-la, tentar matá-la por entre sopas de fraca postura e muita água. Mariquito sabia-se pobre e por isso sonhador e feliz.

Na esquina vazia de sempre, na loja das velas, oferendas, caixões e outros quejandos, parou-se-lhe o passo num repente que até a ele lhe pareceu estranho, logo a ele, Mariquito, quedado e fadado para desbravar as coisas ao tempo e modo que lhe apareciam, desapareciam ou sequer aconteciam. A imagem sumida para lá dos vidros com a poeira batida ao sol inclemente parecia-lhe coisa familiar, era homem importante, cara conhecida, a merecer respeito, temor e atenções mais, assim virado para a cruz e seu mistério jurou ouvir-se perguntar:

- Mas... quem és tu?

Gostou de saber e conhecer, era rei o homem, rei das pessoas e dos lugares, do amor e dos sofridos, de quem pouco tinha ou tudo possuía, rei da vida e dos animais, das cores, do céu, dos mares e outros lugares, rei com coroa ainda que de espinhos, filho d'Ele e mensageiro do seu verbo...

- E de mim, da minha vida, és rei também?

- Não Mariquito ... rei de tal não sou ... ando por aí e por ti.... quando há um espacinho, em meio às tuas correrias ... mas escuta-me, rei da tua vida, rei mesmo, de quereres caminhos e vontades, rei és tu, assim e para sempre, enquanto te lembrares desta esquina e quem tu és.

Mariquito chegou a casa e o frio e a fome pareceram-lhe pequenos, mais pequenos.
Sentia e sabia agora que era rei também !

sonho !

Num repente o sol foi-se e em seu lugar deixou reinar a noite que o frio trazia consigo, vestida em chuva selvagem, de rajadas e pingos vazios de esperança, as vidraças das janelas em caos geométrico de brilhos e rastos aguados, a vida escurecida agachava-se encolhida num olhar de súplica, como se o sol fugido e apagado tivesse levado consigo todas as manhãs de sorrisos do tamanho do mundo, o cheiro das flores, o correr das águas do rio e as mãos dadas e sujas em vidas vividas, de amigos no coração, como se a memória tivesse também ela partido para lugar incerto, não houvesse papel amarelecido pelo tempo, nem cheiros da casa nem das pessoas e os olhos vendo não vissem, apenas escutassem o grito pelo sol que se ia, olhar parado, fechado, chorado, amarrado em mãos frágeis com medo do frio. Choveu forte toda a noite, e a noite durou dez dias, contam, cem assim garantem, mil até, tal foi só o caminho, feito em lado algum e com o vento por companhia, em vôo de vida e morte, da querida sorte perdida sem norte.
Manhã cedo, Maria escutou o piar sumido dos pássaros da manhã, saboreou no silêncio o respirar dos deuses da vontade, abriu a janela e espantou-se com a secura das lágrimas tristes da chuva fria já esquecida, tocou de leve em sua memória de traços em pó, percorreu a medo o caminho de volta ao espaço de si e amou a chuva como o sol, o frio como o calor, as cores como a penumbra do anoitecer de todos os invernos do mundo. Ido o sonho, sonhou sonhar de novo, como se os dias pudessem ser seus e os caminhos a convidassem a trazer seus passos. E abriram-se todas as janelas e vieram todos os pássaros, a chuva também e ao seu lado se sentaram e perguntaram:
- Como estás ?

terça-feira, 19 de maio de 2009

lisboa

Diz quem te vê, por sobre ti voando
Que não há nem tem fim tua beleza
Chora as palavras, quem te cantando
Vê em teus becos e ruas sua tristeza

Esquecida ela, perdida ela
Assim vencida
A tristeza
Vivida pois ela e assim tida
Nunca assim ida
Tua beleza

Feita em becos e navalhas
Em ruas e noites canalhas
Nas noites sem fim de gente tua
E na loucura de quem te vê nua
Por ti voando
Em ti sonhando

O lugar de querer, amar e pois sonhar
Ser-se de alguém
Como ser teu , nesse lugar
Fizesse gente quem é ninguém
Esquecida a tristeza
Em tua beleza

Assim rezada e em fado cantada
E trazida na liberdade
De quem voou em tua alma
E se quedou teu em teu lugar
De becos, ruas e avenidas
Onde fazes tuas nossas vidas

sexta-feira, 15 de maio de 2009

24 ... 25 se não se despacham !!!

Seguir o 24, que é como quem diz seguir o Jack Bauer, tem tanto de emocionante como pode ter de frustrante, há que ter o cuidado e a noção de que o moço deixa o Indiana a léguas, dá-lhe de avanço e manda-o para a Liga Vitalis num abrir e fechar de olhos. A pessoa anda ali, não tira os olhos do aparelho e mesmo assim não é fácil seguir e apanhar todo o enredo. No momento em que fraquejamos e desviamos o olhar porque nos pareceu tocar o telefone ou terem batido à porta, zás, perdemos o norte e uma dúzia de informações cruciais para entender a trama, bem sei que desde Afonso, o Henriques, o nosso primeiro, desde aí que sabemos lidar com viragens e coisas que não são bem assim nem assado, antes pelo contrário, mas no caso do Jack a coisa pia fino, o bom da fita antes da imaginada campainha do telefone ou porta da rua já passou, no regresso da nossa atenção, a vilão ou a morto com missa de sétimo dia rezada, a conspiração tem mais personagens novos que fiéis da IURD quando se reunem no estádio do Belenenses, o herói que nos fazia suspirar e reter a respiração já se reformou e ganhou os tiques do alemão Alzheimer, enfim, bom mesmo é deixar tocar tudo o que lhe apeteça, despertadores, alarmes do microondas e da Bimby, choros de bébé, toque a banda mas ... tirar os olhinhos da TV é que não, nunca, nunca mesmo, se não queremos perder a meada, já nem é o fio apenas, mas as agulhas e toda a manta de uma vez. Quando a trama se enrola e o Tio Patinhas está à beira de engravidar a Lara Croft, o emplastro da Invicta está a modos de se fazer explodir em Peshawar, é esperado um gangue da Rive Gauche num jantar com o cabeleireiro João Rôlo, quando se prevê que o Mourinho possa assinar pelo Patópolis FC e vá viver com a vóvó Donalda aí... aí já sabemos que o episódio vai acabar e temos de agoniar uma semanita para saber mais, isto se formos meninos bem comportados e não desatarmos a sacar tudo o está por vir em download's na net, assim como quem dá um chuto direitinho à overdose. Outra coisa que ajuda ou desajuda, já nem sei, é que nos intervalos da Fox passa um anúncio apenas, e daqueles que é bom ter-se um QI elevado para apanhar logo a mensagem pois a coisa dura cinco segundos e voilà de novo o logo do ' 24 '. Ali as coisas acontecem, e este ' acontecem ' não é eufemismo, é coisa de concentrado mesmo. Nós, habituadinhos a que qualquer coisa na vida real leve um bom par de anos, um bom trio, quadra, quinteto e por aí fora, nós que para resolver ou ver resolvido qualquer coisinha evidente ao género hardcore, conseguimos enrolar tanto mas tanto que até as prescrições prescrevem, nós que por entre a primeira e segunda parte de uma série ou filme na TV temos tempo de educar um filho e mandá-lo para a Universidade, nós apanhamos o Jack e ficamos em estado de choque. Por isso nas primeiras três temporadas ainda tentávamos respirar no meio da trama, olhávamos para o lado se escutávamos um ruído ou tentávamos um copito de água a correr no intervalo e hoje em dia, bem hoje em dia é respirar caladinho e piscar um olho de cada vez. Mas, por mais que soframos na adaptação, ainda assim é menos cruel para nós a entrada no alucinante mundo de Bauer, do que para ele ser desterrado para este canto. Acordaria por certo convencido que lhe haviam feito uma lobotomia, com a desvantagem da cena seguinte não se desenrolar antes do século seguinte. Assim como assim, mal por mal, arrisquemos nós sonhar que há lugares onde as coisas acontecem.
E agora, se me dão licença, vou ver se o filho do Patinhas e da Croft já foi treinado para espião informático na escola que a Lili Caneças vai abrir para o efeito em sociedade com uma rapariga afegã, um desalojado das cheias no Vale de Santarém e o taxista Noddy ! É que se perco este episódio, nunca irei entender porque é que o raio do taxista que tem o brevet e tudo me há-de aparecer feito monge tibetano no meio da Juve Leo ...

24 FOREVER !! Allez Bauer , allez, allez !!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

o improvável dr. casa

A tarde de temperatura amena fazia prever um final calmo e feliz no bar dos médicos que assistiam no Princeton-Plainsboro Teaching Hospital. Puro engano, o deleite trazido pela temperatura em nada influenciava o movimento de chegadas às urgências e assim, em menos de nada, a chegada do simples Mr. Smith iria alterar os planos de House, Greg para os intimos.
Com o nariz entupido, a garganta inflamada e espirrando constantemente, após um rastreio onde se apontava uma evidente constipação, o doente Smith confessou ao médico uma série de sintomas mais que completavam o quadro daquela maleita, autorizando mesmo que o interrogatório subsequente lhe fosse feito por Jack Bauer, caso assim o decidissem. Perante o olhar perspicaz e de alguma desconfiança do clínico, sacou ainda de uma declaração das Finanças onde confirmava ter pago o imposto que lhe dava direito à constipação, bem como de um abaixo assinado composto por cerca de quinhentas assinaturas onde declaravam sob palavra os abaixo assinados, terem visto o simplório Smith andar descalço no chão frio da cozinha, depois do duche e com o cabelo ainda molhado. Numa rápida revista à sua mochila, na busca de indicios que pudessem tornar-se esclarecedores quanto ao estado de saúde de Smith, foram encontradas cartas de ex-namoradas, ex-amantes ( grupo no qual se incluía um ex-Marine, pessoa de idoneidade insuspeita!), dos filhos e todos os vizinhos desde os tempos de tenra infãncia, e onde se lia invariávelmente a pergunta ' estás melhor da constipação? '. Perante tanta evidência, o corpo clínico que compõe o ramalhete deste Hospital das Descobertas Milagrosas instava Greg, House para os pacientes, Dr. Casa para a nossa história, a confirmar o diagnóstico e reenviar o homem a casa com a recomendação de sopas e descanso.
Como certamente estarão já a adivinhar, a recusa em tal foi liminar. Não! Não e .. pronto, acompanhados de um olhar teatral, uma voltinha de bengala e uns Vic's ao bucho!
Após enviar amostras da roupa com que o desgraçado chegou àquela casa de saúde, depois de arrancar os braços e perninhas e mandá-los para laboratórios nos cinco continentes, por forma a detectar possíveis infecções ou bactérias ainda não descobertas pela humanidade, depois de tudo receber de volta via DHL e de novo implantado no paciente constipado, numa cirurgia de quatorze horas assistida por três médicos, House decidiu-se por abri-lo de novo, ao jeito de fecho éclair, na esperança de encontrar provas para a sua certeza de estar perante algo esquisito. Rejubilou quando em plena parede interna do estômago viu duas tatuagens, desmoralizando logo de seguida quando as leu: ' atchim ' e ' sou um constipado crónico, registado na Sociedade dos Constipados Assumidos '.
À noite, no remanso do lar e enquanto assistia à final da Super Bowl, Greg saboreava um puré de analgésicos ao mesmo tempo que ia dando umas colheradas num sorvete de Vicodin, quando num repente os seus olhares se cruzaram e estacaram no tempo, o dele e o do sorvete, como se este lhe dissesse algo mais que ' come-me ', como se encerrasse um grande mistério e a descoberta do terceiro segredo de Fátima e do Santo Sudário ao mesmo tempo. Num salto digno de ser repetido, como naqueles que não percebemos se é dentro ou fora da área, agarrou na sua bengala, meteu uma sandes de Vicodin's ao bolso, montou-se na sua CBR Fireblade e ala que se faz tarde e a constipação não espera. Chegado ao quarto do politraumatizado pós cirúrgico que entrara uns dias antes a espirrar, confrontou-o com o invólucro de um Rajá de chocolate de duas décadas atrás, vendo os olhos de Smith, o simplório acabado de desmontar e montar de novo, começarem a marejar. Subido ao quinto piso, pelo menos a parte do corpo que podia ainda deslocar-se, confessou o pobre homem ao psiquiatra de serviço ( aos doentes, não aos médicos!!), que a recusa da mãe em deixá-lo mamar um Rajá na ceia de Natal de 1964 o deixara numa profunda depressão, onde morrer era a ideia mais leve, equacionando mesmo a possibilidade de se naturalizar tuga e tornar-se adepto do Sportém, e que a falta de coragem, ou tomates, não podia precisar, para enfiar um tiro nos cornos, atirar-se de uma ponte ou mesmo ingerir numa noite dez por cento dos Vicodin que o Dr. Casa toma em meio episódio, o tinham feito optar pela mais cobarde e camuflada forma de suicídio: constipar-se tanto e tanta vez, que o nariz lhe caísse e morresse sim, de vergonha, incredulidade, pasmo ou estupidez.
À saída, informado de que a proibição ao sorvete se restringia àquela noite passada e por ter enfardado já quilo e meio de profiteroles que se destinavam à ceia de toda a família, Smith vestiu uma roupa decente, jurou não mais secar o cabelo ao ar frio da noite ou andar descalço por cozinhas ou conventos de frades, parou de espirrar, apertou a mão ao Dr. Casa ( aproveitando para lhe surripiar meia dúzia de pastilhas para a ' trip ' ) e saíu com a bengala do homem devidamente autografada.
Como prémio para mais uma descoberta, que nem Holmes em sua maior pedra de sempre se mostrara audaz e capaz, Greg ganhou uma viagem à Europa, com direito a um jantar no palácio de José Castelo Branco, ali a Sintra, a uma prelecção da D. Bobone sobre o modo correcto de enfardar Vicodin's, a um jantar com Cristiano Ronaldo e mais duas amigas e à presença na antestreia de um filme de Manoel de Oliveira, sendo que este último evento prolongou quase ' ad eternum ' a sua estada no nosso País. Perspicaz como só o homem sabe ser, ao fim de meia dúzia de dias já lhe ia na alma fazer um diagnóstico sobre uma data de ' coisinhas ' que aqui se passavam, ou melhor, que aqui nunca se passavam, coisa evidente num eterno assobio pró ar e na quietude de um rebanho que apenas balia, de pouco valia, para nada servia!

No aeroporto, na hora da partida do agora seu amigo americano, Manuel Smith Jr. the Third da Silva, neto do constipado mor, não resistiu e atirou a House, Greg, dr. Casa neste conto:

- Deixa-te lá de merdas ... só mesmo tu para descobrires alguma coisinha de errado por aqui ... olha que a gente nunca deu por nada. Nadica mesmo! Mesmo !!!
-Fuck ..... devem andar constipados !!!

ps: sei que não é justo adicionar um ps depois de alguns comentários, mas o facto é que acabo de ver o ' dr. casa ' do dia e ... depois de dominar um avião cheiinho de passageiros em histeria, de se preparar para abrir o bucho a um deles, que concluiu ser um ' correio de droga ' e que afinal era apenas um imbecil mergulhador que veio das profundezas para as alturas, o nosso doutor ainda deixou no ar a possibilidade de ir acabar a ' operar ' a assistente na cama!
Eu... a acabar as férias, pergunto-me: e ninguém me avisa que ao fim de vinte e quatro anos nisto... a emoção vai começar no emprego ??

quarta-feira, 6 de maio de 2009

o segredo da pele das zebras



Impávida, carregava em sua geometria a preto e branco os caminhos da humanidade, ora em definidos e precisos brancos, ali em pretos descoloridos, como na amálgama de quereres esquecidos pelo bicho Homem que a nunca lera em tal detalhe. E naquele carrocel, labirinto de segredos e vergonhas onde imperava a pequenez do outrora grande e filho d'Ele, caminhavam lado a lado a gorda e brihante ganância com a mais pequena das coisas pequeninas, reis e escravos, balofos e esqueléticos, suados e anafados rindo dos que à mãos das moscas sucumbem no pecado maior do cego assobiador. E como numa fábula, ali se ouviam cantar e dançar amores desamados, se ouviam os silêncios ensurdecedores dos gritos em olhares de quem não morre nunca, se viam nascer e morrer às catadupas coisas feitas Vida em corpos de gente. E na fábula, na contada ou noutra ainda não inventada, os bichos fugiam assustados por entre os caminhos da pele das zebras, guinchavam, urravam, piavam e esbracejavam, como se os braços tivessem e esbracejar fosse feito de valer a pena, e corriam e corriam, rezando pelo fim dos fins onde não coubesse o bicho mor, e fugindo fugiram e chegaram, ao fim da coisa e começo de coisa nenhuma, e gritava indignado o leão, pobre rei da selva menor, que mentiam os homens e que não iam a Roma, não iam dar a Roma, nem todos nem nenhum dos caminhos, e falou o macaco velho, porque era ancião e sábio e isso diziam as fábulas, que dali, daquele buraco negro viera a Vida para explodir em gente.
Na grandeza confluente de um negro trotado a canhão, chegou porém quem escrevia as coisas e inventava os fins. E na geometria daquele caos decidiu dizendo ... que ao buraco caminhe e termine a agonia da magia que um dia viveu no fantástico mundo da pele das zebras !

foto from ... Valter Dinis ... a big Bro of mine !