segunda-feira, 22 de agosto de 2011

vamos imaginar


Sinuosos são os caminhos do senhor!

Embora conheçamos o Senhor, embora possamos dar de barato a sua existência ainda que nunca tenhamos tido a ocasião de lhe pôr a vista em cima, facto que aliás nos torna diferentes do santo Tomé, embora tudo isso pois então, atentemos se de facto não são por vezes tortuosos para imediatas compreensões.
Estamos no campo e espaço reservados aos Amigos, que o são em número afinal tão curto e precioso e ...
Imaginemos então que um gajo ( gajo ganha nesta narrativa a lógica da criação do termo, pois quando falamos de alguém e imaginamos que esse alguém podemos ser nós, dizemos gajo e cagamos na opção ' indivíduo' ), imaginemos dizia eu, que num belo dum dia um cabrão de um pequeno sinal a que sempre achámos graça no nosso corpo ganha vida própria e desata num destrambelho e descontrole de multiplicação de células. Se à partida essa merda já é irritante, o que não será quando à desenfreada multiplicação o médico põe a etiqueta de cancro.

- Cancro, caralho? ... pensaríamos de imediato!
- Foda-se, logo a mim ? ... acrescentaríamos por certo.

Como certamente todos sabemos, neste ponto nem a missa vai a metade, nem a procissão saiu do adro, nem um gajo ( lá está ) faz ideia do que fazer com merda tão grande, que não nos larga, nem à noite e um gajo ( de novo!!) para adormecer é o caralho, como aprendi a dizer em novo nos Olivais Sul.
Se depois de uma catrefada de exames c'até chateiam, por serem tantos, por serem em sítios onde se espera c'umá merda para os fazer e ... acima de tudo, porque são à volta do cabrãozinho felpudo que se multiplica e estamos ali com ele, por causa dele, e ele nem uma atençãozinha de se esvair e bazar, se depois disto aparece o verão e o calor, os amigos bazam todos para a praia e nós, ou melhor, um gajo, sol nem por um canudo, pois nessa altura maldizemos de novo a vida, mas ainda achamos que a coisa há-de ir lá! E se o doutor que analisa os estragos do carcará sanguinolento, para não usar de novo a palavra cancro, se esse doutor nos diz para nos habituarmos à sombra e à chuva que será bem melhor, então um gajo pensa como é que vai trabalhar de novo se o que fez durante perto de trinta e tal anos foi levar um pesado pela estrada fora, apanhando-o bem de frente e na fronha, o tal de sol, como quem bebia copos de água. E não sendo novo um gajo, nem velho, a verdade é que não é agora que se volta para a escola e começa tudo de novo, e mesmo voltando, e mesmo aprendendo, a pessoa vai para tentar arranjar outro meio de sustento e as negas parecem o cancro, multiplicam-se dez vezes mais que os pães de Jesus.
Tudo junto, e quando o que mais nos fode já nem são as tais células que teimam em assentar arraiais e procriar à maluca, depois de bisturis e mais bisturis, mas não dos de pôr mamas ou tirar gordurinhas, depois do tesão supremo de passar horas a remoer em esperas em centros de saúde, ou de pouca saúde, tudo isto junto nos leva por fim à junta, onde os mesminhos doutores, repetindo Hipócrates, juraram por Apolo, Asclépio, Higia e Panacea a eles conclamando como testemunhas, juraram entre outras coisas algo como isto:
'Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. '
E um gajo fia-se nisto e pelo menos fica a pensar que o homem escreverá em declaração honrada que lhe está vedada, a um gajo entenda-se, a possibilidade de bulir onde e como sempre buliu. E tendo por perto dos cinquenta e muitos, e por muito que pareça estranho, a pessoa ganha o supremo direito de se entreter na sua reforma a combater o filhinha da puta do cancro que entretanto nada mais arranjou para fazer que continuar a crescer como as flores.
A merda é, e aqui merda é até coisa suave, que depois duma junta vem outra, e depois outra, e enquanto um gajo não saca de uma saca de células multiplicadas e as oferece com um chá ao doutor, enquanto um gajo não se apresenta ao novo exame dentro de um saco preto com etiqueta e tudo, eles não percebem nem saiem de cima. Com boa vontade até se acredita que por entre as preocupações da troika e uns quantos casos de reforma à papuço e à portuguesa, a coisa imponha alguma atenção e cuidados. Mas se depois de espiolhado por dentro e por fora, sempre com o bicho em grande e de saúde, atenção que aqui o bicho não é um gajo, o bicho é o bicho mesmo, se depois disto tudo chega uma cartinha a dizer que ' ah pois e tal, não dá, se quiser arranje de novo consultas e relatórios, foda lá mais uma pipa de massa que depois logo vemos' , então nessa altura um gajo desiste, vira-se para deus e pede clemência, que mande de lá mais células com o software avariado, que se entretenha em seus sinuosos desígnios, mas que nos poupe a sinuosos atrasos mentais.
E um gajo, porque fica queimado e não quer meter a pata na poça, escreve uma carta a autorizar os amigos que lhe trasladem as ossadas, quando os doutores da mula russa chamarem a nova junta, e nem tenham estado presentes na missa de um ano. De um gajo.

domingo, 21 de agosto de 2011

enquanto espero ...


Enquanto espero pela final do Mundial de Sub 20 .. faço um zapping e tropeço num programa da ESPN.
Juca Kfouri entrevista Gustavo Kuerten, Guga como ficou conhecido no mundo do ténis, na passagem do décimo aniversário da conquista da terceira vitória em Roland Garros
Escuto calado, encantado. Suspendo os cigarros e o zapping. Quase suspendo as horas e o zumbir da respiração
Que encanto, interesse, genuinidade do entrevistador.
Que encanto, classe e paixão do entrevistado.
Que espere o futebol e suas finais.
Momentos assim, vindos num inesperado teclar de um comando de televisão, significam que muitas vezes os bons momentos estão numa esquina à nossa espera.
Obrigado Juca. Obrigado Guga !

terça-feira, 16 de agosto de 2011

contacto com a entidade


Hoje foi o dia. Em que apanhei, ou fui apanhado, por um vislumbre do divino. Batiam as dezasseis horas e um compromisso em Lisboa, com limite de apresentação às dezoito, tornava a minha situação definível nos termos ' com pressa ou perto disso ', o que significava em termos práticos que qualquer percalço no caminho poderia fazer aumentar os níveis de pressão e ansiedade que estas coisas comezinhas de ser pontual carregam. Adiante. Havia apenas que dar um salto aos CTT, a fim de resgatar carta com registo e passar na BP para um rápido café. ( att. que a menção e publicidade de siglas ou firmas não colhe censura em textos particulares ). Chegado à instituição de utilidade pública, uma bicha de três pessoas à minha frente não era caso de trazer preocupação, a não ser pelo facto de uma maldição da qual nunca me livrei, qual é a de nestas situações me deparar sempre com casos dignos do fantástico e do além. E é aqui que entra o divino. Deus, num momento de descontracção, resolve defender a sua teima em não me ajudar neste diferendo com esperas e ...zás! Os utentes em acção antes da minha vez, quando eu era já o primeirinho que se seguia no atendimento, sacam de uma panóplia de necessidades no seu atendimento de pedir meças ao mais inventivo argumentista de longas metragens. Creio que ao envio de vales em dinheiro a requerer o preenchimento de documentação de criar calo nos dedos, juntando aquele tipo de pagamentos e transferências burocráticas que alguns funcionários de escritórios efectuam naqueles balcões ( porque será que sendo mulheres são sempre feiitas e de pandeiro descaído, sendo homens ataviam-se garantidamente de óculos e bigode? ), mais os inevitáveis erros no preenchimento dos formulários de mil questões e demoras no sistema, a tudo isto creio que se preparava o bom deus para juntar um eventual rompimento das águas, por parte da grávida, ou um acidente vascular cerebral em câmara lenta por parte do cavalheiro que ocupava o balcão dois, de modo a eternizar a agonia do próprio e de quem se seguia! Não que deus não tivesse mais nada com que se ocupar, aliás se se desse à atenção de dar uma mãozinha a este País que tanto o venera, que toneladas de cera em velas e joelhos em sangue lhe dedica e oferece, bem que a figura celeste teria bastante com que se entreter. O azar, do escriba neste caso, é que terá apanhado o pai da humanidade num simples intervalo para café e cigarros ( se o seu poder é ilimitado, não creio que dispense estes pequenos prazeres, atirando para o campo da sua imunidade as questões de saúde e as monetárias ). Saído então dali com algo como trinta minutos gastos no meu tempo já de si em situação de aperto, como acima confessei, a paragem na BP obrigava a que nada saísse do eixo. Entrado na bicha de cinco pessoas, contando com a rapidez que os caixas daquele posto sempre garantem, opto pelo caixa do balcão dos cafés quando chega a minha vez, sabendo que o cliente que por ali terminava a sua actuação remexia já nos trocados. E, de novo, deus faz soar a sua omnipresença. Um extra de última hora, mais o carregamento dos pontos no cartão de fidelização, a factura com nome e número fiscal da empresa, um pequeno compasso enquanto atende uma chamada, eis que uma catarata de imprevistos torna o momento carregado de nuvens de tom negro. A bica, antes ainda de ser bebida, tornara-se num verdadeiro bico, melhor ainda, num broche por terminar, utilizando uma expressão menos polida mas de melhor força e justiça no que toca ao efeito daquela demora.
Faltava percorrer a avenida Marginal, parte da A5, e chegar à Av. 5 de Outubro, ou seja um verdadeiro manancial de oportunidades para deus me arrumar com a estocada final ( como se ele necessitasse do trânsito e suas vicissitudes, logo ele, capaz de sacar de um engarrafamento no Samouco em fim-de-semana com ponte se para tal fosse desafiado ).
Ciente de que o descalabro acabara de se vestir e aprontar para a festa, fui tratando de interiorizar que o compromisso em Lisboa estava muito comprometido, isto para não assumir desde logo que passara à história com falta de comparência. Fiz-me à estrada, no sentido literal da coisa, e percorri então os cerca de vinte e cinco quilómetros em permanente estado de alerta, a fim de acolher com uma travagem em segurança a inevitável bicha que o bicho ( perdoe-se-me a heresia, mas utilizo a expressão com carinho e modo quase reverencial ) certamente me preparava. E foi neste entretém que o superior poder, de formato que ninguém em boa verdade pode descrever, se revelou em sua garantida imensidão. Espreitando a cada esquina, curva ou lomba na estrada, no formato de previsão de infindável bicha de trânsito de geração espontânea, acabando afinal por saborear a sua dose de cafeína e nicotina em paz, deixando-me só e abandonado a uma dantes nunca vista fluidez no tráfego que me entregou ao meu compromisso com cinco minutos de avanço. Em sua indiferença, satisfeito com a dose de concentrada e evidente presença na espera postal e ao balcão do posto de abastecimento, eis que me obrigou a olhar o céu ( por lá se comenta que passa grande parte do tempo ) e afirmar para mim mesmo:
Pronto, está bem ! Existes !