quarta-feira, 26 de novembro de 2008
mistério não marginal ...
É coisa diária, banalidade repetida em enjoativos relatórios de trânsito, iguais aos de ontem e de amanhã, num alerta idiota escutado por descrentes, destinado a bovinos que perante um problema, não fazem de cegonha enterrando a cabeça, mas olham o palácio como o primo equídeo. A marginal entope por ciclos, tão garantidos como o solar e lunar, nos mesmos sitíos e paisagens, qual rotina de casório. Depois da novidade de há alguns anos, em que o alerta radiofónico e televisivo apontava a esperança de solução e fuga ao marasmo depressivo de um pára-arranca de geração expontânea, ouvir hoje as actualizações de trânsito não é diferente de escutar os idiotas e previsiveis anuncios do BES. Dão apenas vontade de abrir a janela e acender um cigarro ou vomitar.
Por alturas de Santo Amaro, isto para quem vai em direcção a Lisboa, onde senão se trabalha pelo menos parece inevitável entrar pois não há alma ou viatura que ali o focinho não aponte, por alturas de Santo Amaro existe um semáforo que regula as entradas e saídas de uma estradita paralela, coisa de apoio a veraneios. Àquela hora da manhã, ninguém de lá sai, para lá ninguém se dirige. Ao magote de deprimidos que já perderam trinta minutos para ali chegar num solavanco a roçar o erótico em sua cadência, que é dado ver ? Dois garbosos agentes da autoridade, em seus cavalos da era moderna, com sirenes, capacetes, bigodes e óculos escuros. Fazem o quê? Cantam um hino à impavidez. A modorra da condução dos passantes é momentâneamente assaltada pelo frémito quase sexual de que alguém teve um acidente ou foi agarrado numa multa. Mas não. Rápido passa ao exagero da perfeição no manobrar do veículo, não vá a fava tocar-lhe e desempenhar o papel de ' urso do dia ', qual escarrador de inevitáveis ' eu bem dizia ' proferidos pelos, até ao momento, colegas de desdita e desafortunado passear caracoleiro! Pela estradita secundária não entra ninguém, para ela sai ninguém também, a sua utilidade naquela hora é paisagística tão somente. Flui o tráfego ? Tanto quanto o ar impante da autoridade que ali se faz representar com a mesma utilidade de um ministro dos assuntos parlamentares.
Mais à frente, ali a Paço de Arcos, terra de antigos nobres, há um balão extra de asfalto com utilidades várias. Estacionar de noite para namoros à beira-mar, de dia para se alcandorar nos muros e através da pesca à cana esquecer um pouco a loucura do mundo - que ali mesmo ao lado enfuna os condenados em carros de andar que não andam - e ... permite ainda uma inversão de marcha para quem vindo de algures, a algures queira retornar por motivo que seja. Pois bem. A repetida dupla de garbosos, assiste à pescaria, namorados nem vê-los pois faz muito que o sol raiou e ... inversores de marcha por ali, nem os joggers matinais, quiçá um cidadão de Alzheimer afectado possa quebrar a ciência e inverter sim, do nada para o nada, certo porém que não utilizando o asfalto. Uma vez mais o semáforo, ajuda preciosa descoberta pela engenharia rodoviária em década perdida do século passado, uma vez mais o semáforo tem ali o seu pedaço de inutilidade. Que acontece então? A turba de atrasados corre a repetir a cena de quilómetros atrás. Sabe já que não há sangue nem multa, mas o horror de ser apanhado ao telemóvel ou passar o vermelho divino, qual castigo e privação terrena, aconselha a um abrandar até aos três quilómetros por hora. Somando a este arrazoado de inevitabilidades a inteligente poupança de combustível que o portuga inventou, não andando e seguindo mas, ao invés, criando uma recta virtual entre ele e o da frente ao arrancar apenas meio minuto mais tarde, com isso poupando dois cêntimos de gasolina ao fim da semana, ainda que como efeito colateral rebente setenta ou oitenta euros num psiquiatra que o alivie destes males sociais, somando isso, temos que a fila por motivo nenhum na Marginal se estende prazenteira até perto das onze da manhã. Que espere o emprego e a economia, que se aplaquem os nervos indo tomar um café mal se chegue ao local de trabalho.
Passado este nível, aguarda-nos o próximo e seus mistérios, num cenário de autoestrada em forma de A5, culminando, para os mais resistentes e hábeis apenas, o teste da Segunda Circular. Certos de que, com tanto engenheiro, alguns rodoviários até, com tanta autoridade, linda de morrer, fraca no fazer, não é na ausência de básicas soluções que reside o resistente espírito da coisa, mas sim neste adorado ' deixa andar, tipo não fazer o amor nem sair de cima ', que desde os primórdios da lusitanidade constitui para outros povos um mistério, para nós uma satisfação: O poder dizer ' que se foda, qué qu'avemos de fazer? ', sabendo de antemão o que seria, de antemão também o que não será !
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Bem…a coisa escrita assim, até dá vontade que o inferno da estrada continue, só para te voltar a ler.
Tás-lhe a dar…e em grande!
Abraço.
E sugerir aos Polícias algo mais profícuo???Tipo agilizar a coisa...ou então manda esse sinal irritante abaixo...Abraço Parabéns...ass.comapdre
João, consegues passar pro papel, com tal realismo as situações que presencias, que quase nos consegues transpor pra acção...
Beijo
Graça
vitor:amanhã às dez em Carcavelos ?
anónimo & comapdre: agilizar não é o forte da coisa em questão...
graça: dasssssss ... passo ali todo o santo dia, graças a Deus que a maior parte das vezes para voltar logo para trás. A coisa grava-se mesmo na cabeça ...
Ainda te hei-de ver a escrever a letra do fado da Marginal...
Postar um comentário