quarta-feira, 26 de novembro de 2008
estranhas mãos ...
Ia o sol em sua altura, mandando brilho e calor, fazendo brincar em sua luz as sombras de quem era seu. Entrava e escorregava num caleidoscópio de reflexos, por entre as águas de um vago lago, por entre os olhos das gentes, por entre o dançar das folhas que ao vento se davam, com o vento brincavam.
Manel atirou as roupas ao chão, deu soltura aos pés, sentindo por si acima aquele frio acolhedor que fazia parte das suas manhãs. Tomou o banho matinal, fez-se peixe e mergulhou, achou tesouros escondidos no meio das pedras do lago, guardou-os dentro de si, jurou segredo guardar, dos amigos e pedaço de mundo que ali encontrara seu. Secou-se, sem pressas de acabar, guardou o quinhão de quentinho sol que lhe cabia, saltou para o velho bote, velho de uma vida, guardador do cheiro e histórias de seu velho avô, que ali o guardara, ali se guardara, em manhãs de vida sem medo de sonhos. Quantas vezes o ouvia ainda, nas palavras trazidas no desenho das nuvens, no barulho do vento, na força da chuva, no trote dos animais, na poeira que levantavam e perto dele assentava. Quantas vezes avô, te sabia ali, sentia tua mão ossuda e pesada, onde aprendera a vontade de amar o vôo livre dos pássaros, a esquecer fomes e frios em nome de um deus apenas nosso. O bote, o lago tantas vezes feito por ti mar, os peixes, senão os mesmos, outros que sabiam a melodia de tua voz de trovão, as aritméticas do sol, como chamavas às danças da sombra, tudo isso deixaste por aqui avôzinho, desculpa o 'inho' sei que fazias cara séria, mas que eras pois senão isso em mim, dentro daqueles nós do coração?
Andou pois por ali Manel já não criança, antes rapaz, homem talvez, traços de um e outro, idade já em tempos de gente graúda. Do bote saltou para sua ilha de então, terra de gente passante que por vezes esquecia de deixar cheiro ou memória de voz, por ali aprendeu a magia do tempo parado que voa sem asas, da liberdade de agarrar os bocados de luz que o sol antigo esquecera de levar nas velhas noites. Parado pois, jurou ver aquela estrela pequena que lhe parecia sorrir, num aceno de frágeis mãos, estrela de olhos de cor de esperança e sorriso perdido, para ela quis fugir em caminho de dia claro e reencontrar o lugar onde se encostava num colo, se aqueciam as mãos e se adormecia com a inocência de quem não tem temores. Amou a estrela e o momento, banhou-se de novo na magia do frio, sentiu o afago de envelhecidas mãos cor de amor e chorou. Porque chorando assim era homem também, embrulhava em segredo de pedra de lago o desenho e o mapa das mãos que sempre soubera desejar, quisera dividir, sonhara guardar, para que nunca se cansassem as asas de um velho passarinho dourado. Porque chorando assim pôde rir, com o lago e os peixes, vendo o bote remado por mãos que sabia serem suas !
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6 comentários:
Tesouros…de sonhos e memórias, que por ali ficaram…de quem amou, e foi amado!
João a tua escrita é poética, tens un estilo incofundivel, na forma como transmites as tuas emoções, tornadas ficção,em histórias que quase parecem relatos de vivencias,mas que não são mais do que sentimentos que criam vida.
aqui está a grande diferença entre quem escreve e quem e verdadeiramente um escritor, e tu és um escritor
Beijo
Graça
vitor: palavras, apenas palavras que se arrumam assim ...
graça: entendo o que dizes como as palavras de uma amiga... uma boa amiga! Não sou escritor coisa nenhuma ... mas sim um arrumador de palavras e coisas que se entrelaçam!
És muito modesto e eu sei que sim,não te substimes...
Beijo
Graça
As memórias sempre persentes na nossa história... sempre!
Whose little hand is it??? :)
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