quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
está frio !
Está frio, não muito, não daquele de encolher almas e quereres adentro gorros, bolsos e passos apressados, mas está frio. Com o relativo da medição, bem se vê, frio é frio, aqui ou ali, mas do calor se diz o mesmo e não o há unânime. Creiam-me no entanto, a coisa rondava os 7 ou 8º, as roupas indiciavam pois que não era de quenturas a manhã. Saídos de um comboio para o outro, em Journal Square, aguardámos pacientemente, eu e o meu amigo Zé, por entre passos para lado algum e olhares por ali mesmo.
Um afroamericano, espelhado numa inconfundível cor de ébano e no sotaque mastigado dum inglês continental, devotava um interesse genuíno e uma atenção sem segundas intenções a uma quase idosa senhora, que lhe recolhia a simpatia no diálogo carregado de conselhos e informações. Raisa era o nome dela. Warm, Mr. Warm, deveria seu interlocutor chamar-se, por contraponto aos poucos graus Fahrenheit ali presentes.
Chega o comboio e com ele a eterna dúvida onde exacto bocado da plataforma irá ele franquear as portas. Warm, velho de vida e de estações por certo também, faz a sua aposta arrastando num delicado gesto de braço a sua amiga de mundo, de vida, de lado algum mais. Raisa não era afro, americana menos ainda, teria longe no Leste europeu as suas origens certamente. Deixou-se pois guiar, num misto de geografias improváveis e de emoções esquecidas. Abertas as portas, os poucos lugares sentados foram num ápice tranformados em bocados de cobiça. Numa cuidada lentidão, como se o tempo lhe devesse entrega e devoção, Warm conduziu Raisa à conquista de um espaço que dificilmente lhe seria destinado. Ainda que quase idosa, o bom aspecto traía-lhe a legitimidade da reserva incondicional do lugar. Warm, sentada que estava Raisa, disfarçou a sua evidente satisfação, escondeu por artes mágicas o seu ar bem mais avançado em anos de agruras e posseguiu a conversa, fazendo daquele momento o momento de duas pessoas, sós no meio de tanta gente, encontradas e aproveitadas num bocado de América. Durou o que durou aquele bocado, o sorriso de gente que sabe sorrir acompanhou aqueles dois, nos curtos minutos que levam até Harrison. Aí chegados, Raisa levantou-se e abeirou-se da porta, no que foi seguida e acompanhada pelo olhar de Warm, naqueles momentos finais que não acabam como nos filmes. Aberta a porta, de novo o frio entrou, nos fez lembrar que a vida acontecia lá fora, não ali dentro, naqueles momentos que por certo ninguém via mais.
Larguei o disfarce de seguir tudo por entre olhares ao jornal de ocasião e fitei a despedida. Não vi nada que não fosse a ternura de saber viver a vida em bocado tão pequeno quanto aquele, tão improvável, irrepetível. Assim julguei.
- Watch the gap M'um and take care !
Pela primeira vez percebi o sentido de uma despedida, como quem deixa um braço que ajuda sem estar lá mais.
Raisa seguiu pela plataforma. Estava frio! Warm seguiu conosco até Newark, sorrindo e ajudando a compreender porque vale a pena agarrar assim os dias. Soube naquele momento que vos ia apresentá-lo. E agradecer-lhe daqui, de tão longe, como de África às estepes, de Lisboa a NY, ter-me mostrado a sabedoria e amor nos braços de um velho!
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7 comentários:
Acho que ainada estava mais frio...Abraço!
Queria dizer ainda..sorry!
Tenho saudades das tuas visitas ao meu blog. Está frio!
Um beijo e bom fim de semana*
Consegues quase sempre emocionar-me. Fazes uma coisa que a maioria de nós não tem capacidade...a de te pôres no lugar do outro...(és GRANDE Jan)...
Beijos
Graça
lmarques: confesso que mais grau, menos grau .... falo aqui de outros frios e calores. Mas .. registo o reparo meteorológico!
cati: CONGRATULATIONS ( ;-) ) !!!
graça: deixa-te de exageros ... nos tamanhos ! ;-)
Não te serve?...OK...e um nºabaixo...melhor?;)
Beijo
Graça
Vidas simples…traços inconfundíveis! ;-)
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