segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

conto improvável .. à volta de coisa nenhuma !


De pouco lhe interessava a nobreza do gesto, a grandeza da missão num futuro próximo reconhecida e agradecida. De pouco não, de nada mesmo, o risco era enorme, a claustrofobia muita, o nome arrastado num futuro de epítetos de pouco charme acabavam e arrasavam com qualquer resquício de espírito de entrega. Porquê ele, logo ele, dono e senhor de ruas e liberdades, conquistador renomado de espaços privados e alheios? Não, definitivamente não, era a resposta, mais a mais em tarde como aquela, coisa de Belzebu, tanta era a bátega, a friagem trazida por um vento que parecia não encontrar outro entretém que não o de rebentar com a quietude de um domingo. E no entanto, deu por ele trancafiado em espaço exíguo, juraria até etiquetado com endereços de médico tratador, como fôra possível ele, logo ele Garfield du Banlieue, prestimoso cidadão livre, ufano bichano de esguias investidas devidamente urinadas e assinadas, ser assim agarrado, feito menino travesso de infantis maldades?
Por entre a angústia de um acatitado e castrante espaço feito caixa de cartão, não via como dar desvio às agruras que o destino lhe reservava, lamentava até a volta ao local do crime, tantas que tinham sido, sempre impunes, como havia permitido cair em tão desusada ingenuidade? Apelar à entidade divina, coisa de humanos, pareceu-lhe recurso último que não podia no entanto afastar. Rezou um Padre Nosso, substituiu a parte da posse divina por Deles e atirou-se com um afinco e convicção que em si desconhecia, a pedir favores e empenhar promessas. O ignóbil carcereiro, senhora no caso, parecia impante em sua conquista de dias sem cheiro seu espalhado em tapetes e alcatifas, espalhando sem pudor as novas sobre a situação em espaço que reservara em Coreto Público. Nem a desgraçada intempérie parecia condoê-la, como se não entendesse o apelo celestial de misericórdia em destino de bicho vadio, tantas e tantas vezes feito bravo soldado por ruas de carinho vazias. Liberdade, doce liberdade, repetida em gozo de exaustão por divididas incursões ao espaço alheio, ia-se-lhe a liberdade enfim, deus era pequeno e ausente, dos humanos apenas certamente. O relógio dava-as umas atrás das outras, contara-as já e incluíra as meias, o adiantado nada augurava de bom. A nesga, aquela nesga, de ar, luz e liberdade pareceu-lhe então coisa onírica, maquiavélica, última demonstração da velhacaria e poderio de tão desumana figura. Arrependido, chorado e desculpado um passado de águas vertidas em terrenos conquistados, saiu ao cadafalso, não sem um olhar a suscitar a maior comiseração. Estranhou a rédea larga, deu de barato que para o novo destino estava entregue e pulou. Pulou fora, da caixa, do sitio, da varanda, do bairro, da cidade e arredores.
Manhã cedo acordou sabendo que à promessa não fugiria, desafiar deuses e suas iras era assunto que nem a ele, um verdadeiro du Banlieue , lhe passaria pela cabeça. Por mais que custasse, controlaria com mão de ferro, pata de ferro vá lá, a sua bexiga orientadora de territórios, secá-la-ia a golpes de teimosia. Livrar-se-ia da ignomínia do apodo de Mijão, deixaria para outras calendas a visita à porta do veterinário, qual cesto em porta de igreja, e recomeçaria sua vida em outras artes. Pegou em si, fez-se nuvem e tratou de voar. Em busca de janelas, novas janelas, onde a água batesse e acordasse as pessoas, onde de par em par entraria em vôo picado, feito Garfield Fantôme de conto para crianças. E assim sim, viesse de lá a nobreza do gesto e as vontades de sentir o cheiro da chuva que ele, o velho vadio de fraca bexiga, saberia mostrar-lhes o surreal da coisa !

15 comentários:

XR disse...

O! M! G!
Há bastante tempo que não me ria tanto ... o gato gordo da GG com direito a pedigree du Banlieue!

redjan, venham mais camadas para o bolo! oops, quer dizer, o blog!

Anônimo disse...

velhos instintos castrados... vou tratar das asas... em breve teremos um big fat cat alado.
well.. pensando bem não sei se seria a melhor ideia...

Isis

redjan disse...

XR: indeed .. um verdadeiro du Banlieue! E mais camada virão sim, assm não me falte a ideia e se mantenha este tempo a convidar ao recato!

isis: big fat cat alado ? Não me lembraria de melhor.. ;-)

Vitor disse...

Que fim de semana, meu…começou com o “desembrulhar” da “ventania…entre guerras bem picadas de norte a sul, e começas a semana com um gato hilariante, com direito a mordomias…pois as gatas andam aí…ainda acabas todo arranhado ;-)

Tás com veia man, tás com veia…dá-lhes! :-)

Artur Guilherme Carvalho disse...

Gatos, companheiros de copos, andarilhos dos nossos passos, almas gémeas das nossas. O Garfield era grande, tinha estilo. Por isso passou a nuvem. Boa malha Xaval.Abraço
ARTUR

redjan disse...

art & vitor: ;-)

Ana GG disse...

Aiiiiiiii....tinha escrito um comentário enorme e ao publicar desapareceu do mapa.
Raios partam o Gato Gordo ou Garfield de Pacotilha, ainda se deve estar a vingar da ignóbil carcereira.

Adorei a estória (apesar de achar que favoreces muito o Gato)

;)

redjan disse...

GG: pois .. o rapaz gato ficou-se contigo atravessado ... pobre bichano!

Favorecê-lo ? Moi ?

;-)

Ana GG disse...

Pobre de mim! Que estou com ele atravessado.

Vitor disse...

A ventania continua...!!!;-)

redjan disse...

GG: com o Gato ? ;-)

vitor: vai comprar cigarros. Se não houver aí perto do Vary ... experimenta Espanha, são mais baratuchos !!

Vitor disse...

E caramelos,queres?Passo por badajoz!;-)

Ana GG disse...

Que horrorrrrrrr!!!!!
"Com ele atravessado", o gato!

O que dão as pressas...
Venham esses caramelos de Badajoz

Vitor disse...

Ana GG:tá prometido...os caramelos!:-)

XR disse...

Caramelos d'el caserio? Madre mia, que desgracia! Pos que todo el mundo se queda reindo quando lles digo que he empezado a aprender el castellano con los envolucros de caramellos y sucedaneos de chocolate de Badajoz ...