quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

gentes de babel !


Sissoko McCourt Walker não se queixava da sorte. Não que a falta dela não fosse coisinha presente em tanta hora de sua vida, mas porque o tempo que tal lhe tomaria era precioso para a arte com que se ocupava nos mais das horas, dos dias, das noites também: sobreviver sendo feliz, chegar ao fim entendendo o princípio e o meio, poder olhar para trás sem olhos de cão caído. Dera provas de qualquer coisa de lutador, ao ver-se pelos dois anos sem peito de mãe, coisa perdida por luzes de fraco e intermitente neón de surreais e nómadas bordéis de ruas de pó, sem rasto de pai, de cujo rosto não se lembrava, mas que acreditava guardar em foto desbotada, com vestimenta de nobre e pingalim, numa moldura em forma de garrafa, com o nome de família escarrapachado à frente de um tal Johnny, que apostava seu primo.
Criado em rua de balas e sangue fresco, bebida a imunidade em poças de água de pouco cristo, soubera Sissoko perceber que por ali não o esperavam ensinamentos de vida tranquila e boa, que julgava merecer, como qualquer bebé branco, cigano, judeu, árabe, anão, amarelado, indio ou mesmo do Cacém. Fugiu do lar das freiras da Irmandade das Recolhedoras, em noite de algazarra e violações a eito, coisa de alcool e espingardaria em barda, olhou ao crucifixo e dele quase teve pena, saiu a correr e não mais parou. Juraria ter corrido dias e semanas sem fim, qual Forrest Gump de produtores remediados, meteu-se num barco com destino a porra de lado nenhum, fez-se ao mar, estava sózinho e com sete anitos já, zarpou à vida, rezou a todos os santos e santas cujos nomes aprendera, nada mais pedia que não a estrela do norte, a polar, a da Amadora... umazinha qualquer que o guiasse a terra por onde gente fosse gente, antes das pinturas de pele, colares divinos ou etnias sacras em terras heréticas.
Era dia de calor, de calor à séria, quando Sissoko McCourt Walker aportou a NY em sua casca de noz, ao meio de vasos da US Coastguard que o tomaram por detritos do oceano, abismando de espanto com aquela senhora que agarrava tochas de liberdade esquecida e embatendo de tal modo forte na amurada de atracação que foi o pobre, em sentido lato, cuspido América adentro. Fazendo uso de medos ausentes, de trabalhos frio ou fome, agarrou biscates, cavou e farejou oportunidades, usou tempos livres, leu e subiu a corda, a pulso e esperteza de gente também, não passaram dois anos que não tivesse vida sem sobressaltos. Orgulhava-se de si e da sua origem, não a discutia nem debatia, com pena muita mas enfim, gostava de olhar-se e ver como a vida estava ali, feita com dias em que pessoas assim ... de tanto e largado azar, ele era a cor, a origem, a miséria como ama de leite, a solidão achada em guerra perdida, sabiam espreitar os insondáveis mistérios da cruz, da luz, do verbo, de todas as coisas sagradas e tantas.
Saíu à rua Sissoko, naquela tarde de sol ... juntou-se à multidão que se apinhava para ver o que julgava uma produção hollywoodesca de um novo Star Wars, um bruá e mar de aplausos admirados mirava a nave espacial nunca dantes vista naquela Avenida, a 5ª ainda por cima. Sairam os homenzinhos verdes, antenas e olhos esbugalhados como prova viva de que vindos do além, pegaram nele, logo nele, Sissoko Walker, meteram-no a bordo e perante o espanto de uma multidão de basbaques voaram céu afora. Sissoko, menino bebé da guerra, vendido barato a barata fome, gente ninguém de pai e mãe .. que fazias por ali ? Por mundo de gente morta ?
Voltou ao seu planeta, na terra caíra por engano, assim juravam e se desculpavam os deuses, pelo nome de homem-homem, pela escapada do pobre agnóstico, obra improvável de um coração abençoado.

- Sissyduz McCrurk Walzcker, se voltas a ir brincar à Terra, deixamos-te lá.
- Mas Captain Pappá, estava só a brincar aos contos de fadas!
- E viste, em tal sítio viste por acaso alguma fada, boa fada?
- Não Paizinho, apenas uma foda, uma boa de uma foda ! De gentes de Babel!

4 comentários:

Ana GG disse...

É lixada esta nossa Babel... encontrarmos fodas (ups, sou uma senhora, será que esta palavra tão forte fica mal a sair-me dos dedos?) onde se procuram fadas.

Redjan, és uma máquina a escrever!

XR disse...

John,
Essa imaginação delirante vem do mesmo planeta do Sissoko? É que perdi o conto e as voltas aos trocadilhos e innuendos, entre a cidade da torre inacabada e a cidade das torres caídas ...
Very well done, as usual.
Tirava-te o chapéu mas deixei-o lá em baixo no bengaleiro ;)

Vitor disse...

Contos irreais, de uma certa realidade…de gentes de babel

redjan disse...

GG: é uma questão de vogais ... quanto à máquina, estamos falados !

XR: Quem comenta assim ... não me parece que vá para gago ...

vitor: vidas complicadas, pensamentos de pouca elevação