sexta-feira, 15 de agosto de 2008

manel, gente ninguém ...


Baloiçava a velha cadeira, o mesmo ranger de sempre e seu som, coisa dos dois, segredo de longe, como se os anos não significassem uma velhice e suas coisas idas, voavam as folhas e suas memórias a preto e branco, de antigos penteados e óculos de grossos aros, coisas do antigamente com cara de gente, desajeitados momentos de aprendizagem em robustos e pesados triciclos, abraços de tanto irmão, risos de esquecidos amigos, bailes e festas com danças de idos e tidos amores, partidas de coisas que acabam, novos caminhos e seus medos, por onde andaria gente aquela e tanta, momentos aqueles de paixão e segurança e crenças em deus menino, rangia a cadeira em seu eterno vaivém, o mesmo lugar, a mesma luz em casa sua, ali sentia o perfume único daquele bocado que tornara seu, como em trama onde não cabia ninguém mais, e agora pedia-lhe a memória viagem aos tempos da lentidão, de palavras que se trocavam, cartas que em angústia se esperavam, velha caixa de correio que tanto desejara, porta de rua e seus caminhos de liberdade gritada, de mundos de pequeno sem guerras que não de abraços, choros de menino a caminho de gente grande, velha e puta memória que o atraiçoava e passeava sem do baloiçar de uma cadeira sair, e as janelas iguais de sempre em pó escondidas de paisagem de vida, e a porta outrora grande agora apenas distante, baloiçava velho, gasto de pele e nome, Manel lembrava e sabia chamar-se, amigos adivinhava para sempre idos e perdidos em sua vida foragidos, e o vento, amado vento de fins de tarde e correrias, feito cumplice em torturas de folhear, chorava Manel velho suas lágrimas secando em ossudas formas de fim de vida, recordava seu primeiro tombo em cadeira aquela, o susto de reprimenda de mãe que não de nódoas negras de fácil esquecimento, lembrava as tardes de calor e sesta, de minutos de lenta vida que adiavam a liberdade anunciada, de um caminho de silêncio e sonhos sós que aprendera a desenhar em harmonia de ninguém mais, chorava ouvindo aquele ranger único, momento de volta de uma vida ao contrário, chorava como criança em memória, colo e cheiro nunca esquecidos.
Começara a chover, sentia pois o momento de voltas e regressos, despedidas e reencontros, levantou-se num desconhecido movimento como se a vida ali se deixasse, naquele ranger mágico que a vida lhe guardara, abriu a porta e saiu, para a intempérie de uma viagem sem volta, atravessou o abandonado quintal sem jogos nem gritarias de tempo pelo tempo, sentou-se no muro, eterno muro de companhia certa, quedo apanhou a chuva e nela se embalou, recordou tarde de loucura e primeiras liberdades na afronta à natureza selvagem do mundo que o esperava, fechou os olhos e morreu. Ali .. onde sempre viveu, morreu Manel, velho e criança de mundo seu !
Na sala, inventada sala de lugar que não existia já, baloiçava perdida Maria, pequena Maria neta de ninguém, embalada por um ranger de melodia, nostálgica de afagos e carinhos de um velho que não queria esquecer.

4 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

Continuas a escrever q me deixas sem palavras. Saboreio as tuas. Excelente foto. Entardecer?

Abraço.

P.s. - O Sporting ganhou mais uma taça.Viste? :)

Maria Manuela disse...

és brilhante.

bj

redjan disse...

ki: saboreio as tuas também ... quites ? Entardecer sim, em casa minhs e cadeira também ...
PS: Não, não vi, como calculas ..

m&m: dasssss, vindo de ti .... ruboresço !