terça-feira, 17 de março de 2009

história ! ... e um pouquinho mais !!!


Abadir vagueava por entre as noites de céu estrelado e as idas e vindas em seu barco irmão que o levava e trazia Mármara adentro, companhia calada em baloiços de geometria numa pesca de vida e alimento ao corpo. Abadir olhava a noite numa paixão cúmplice, segredo guardado de seus passeios sonhados por céu de deus apenas seu, com nome de memória nenhuma, com obra de gente aconchegada e fugida à ira implacável de dias de sol em brasa e forno e gentes iradas. Na quietude perdida num horizonte de azuis e negros aqui e ali salpicados, olhou o traço rasgado e divino que lhe entrou em sonho perdido e o acordou ao torpor da noite calada. Os peixes de Abadir continuaram mudos em seu destino traçado e pendurado, mortos e a secar. Abadir olhou-os na esperança que voltassem à vida e lhe dividissem o medo em dois. Ignorava, simplesmente ignorava, que no céu se abria o quinto buraco do mandamento de Dragata, a deusa estelar chegada em sua frota voadora, aos ombros de soldados de Ptom, planeta vingador do acabado mundo na era perdida em palavras dos templos. Dragata nada tinha contra Abadir, nem contra seus peixes antes mortos e agora secos. Dragata e Abadir não se amavam, não se sabiam ou sentiam, temiam-se e desconheciam-se apenas, como se fossem um só ao olhar o fim dos dias que haviam aprendido a esquecer, largados em suspiros de poeiras celestes e profundos azuis do Mármara. Ptom não ficava perto e Abadir não lhe conhecia trejeitos ou orações, promessas rezadas ou ajoelhadas. Na santa ignorância de um olhar perdido, acompanhou o traço de luz com o indicador que lhe puxava a linha e exclamou:

- Que me quereis deus, se um deus és, que quereis a insignificante pescador fugido e escondido dos males da escuridão dos filhos da confusão?

Dragata temeu o pobre homem e ordenou à vida escondida que voltasse ao planeta Mãe. A cor dos olhos de Abadir prenunciava o frio dos caminhos perdidos, a salvação do simples homem recordava-lhe a infância perdida alguns milhares de anos atrás quando era apenas uma criança enganada pelo brilho dos templos. Vestiu-se de nuvem branca e zarpou ao destino, por entre buracos negros inventados e tempos sem fim nem princípio.
Manhã cedo o Mármara chamou o pescador, as suas águas de sempre acolheram o pequeno e assustado ser e o embalaram em ondas gigantes que o fizeram partir. Abadir não mais foi visto e seus peixes permaneceram secos e mortos para todo o sempre das horas.
Dragata, Dragata naturalizou-se humana, casou e teve muitos filhinhos. Lindos e com olhinhos lindos. E o mundo continuou, ao invés do pescador !

... anos mais tarde, sacerdotes de Ptom clamaram pelo regresso de Dragata. Esta amuou, bateu o pé em trejeito de infante contrariado copiado de seu mais novo rebento.
Bihtar, alto-sacerdote, mostrou-lhe as planícies de cinza onde antes se colhia o cereal, os rios de pedra que antes davam de beber, as nuvens de pó que antes entornavam chuva. Ptom, mundo irado, cuspira fogo das entranhas pela partida de Dragata e estava agora prestes a imolar os seus.
Cobrindo a face com as mãos, Dragata sentiu o peso da humanidade por si escolhida na noite da viagem de Abadir, pois sendo mulher como se poderia dividir em duas?
Atormentada sentou-se nas escuras encostas de onde podia espraiar a vista na mágica noite do Mármara e levantou o olhar para o distante veludo negro incrustado de jóias de rainha sobre a sua cabeça.
Um traço, rasgão largo no veludo mimetizava o fulgor do cristal e da filigrana o rendado. Brilhou sobre Dragata e ela sorriu ...

by XR

6 comentários:

Mag disse...

Simplesmente fantástico!!!!

redjan disse...

Geeeeeeeeeee Mag... gosto que gostes ! ;-)

Anônimo disse...

Entre conversas triviais, de como passei o dia? E se está tudo bem? Foi-me recomendada uma história…e que história!

Beijinho.Ah, e um abraço

XR disse...

Até que anos mais tarde, sacerdotes de Ptom clamaram pelo regresso de Dragata. Esta amuou, bateu o pé em trejeito de infante contrariado copiado de seu mais novo rebento.
Bihtar, alto-sacerdote, mostrou-lhe as planícies de cinza onde antes se colhia o cereal, os rios de pedra que antes davam de beber, as nuvens de pó que antes entornavam chuva. Ptom, mundo irado, cuspira fogo das entranhas pela partida de Dragata e estava agora prestes a imolar os seus.
Cobrindo a face com as mãos, Dragata sentiu o peso da humanidade por si escolhida na noite da viagem de Abadir, pois sendo mulher como se poderia dividir em duas?
Atormentada sentou-se nas escuras encostas de onde podia espraiar a vista na mágica noite do Mármara e levantou o olhar para o distante veludo negro incrustado de jóias de rainha sobre a sua cabeça.
Um traço, rasgão largo no veludo mimetizava o fulgor do cristal e da filigrana o rendado. Brilhou sobre Dragata e ela sorriu ...

redjan disse...

XR: I knew it ... e que estrondo de comment ... só por isso valeu a pena o post .... ;-)

XR disse...

John, you've set me up ... and I walked right into the trap!

Thank you for bringing the text to your front page - but wouldn't that call for further developments on the story?
;o)