quarta-feira, 4 de março de 2009

milhões sem fim ... ou a cor a preto e branco!


E cem eram os dias de espera
Assim cem parecessem tantos
Que a morte longe
Longe
Se escondesse
Quedando-se a vida em espera
E de dias se vestindo
Aos homens sempre mentindo
Em bocados se esvaindo
Desfeita
De tudo vazia
Espalhada em toscos pedaços
Como ser inanimado
Rascunho de ténues traços
Acabado
O Ser
O ser
O vê-la sem ver
Tê-la não tendo
Vida pouca em tempo tanto
Esmagado e vadio momento
De morte em tempo e alento
No tamanho de cem dias

Por onde parava a vida de Manaco, cidadão de direito e papel passado, era coisa que ninguém poderia responder. O ser, aparecido aos dias seguidos por ali, avenida de correrias e gentes sem rosto, estendia a mão aos céus, como se nele deus o esperasse e tempo tivesse a perder em insignificância tal. Jorravam os milhões. Jorravam milhões, assim rezavam as novas nada novas. Morriam milhões, aos milhões, ainda que vivos e de pé, de pé e mão, esta estendida, que de cansada não podia já cavar. Manaco sorria, um lindo sorriso de espanto e dó, pelo deus em suas falhas, por si em suas migalhas, da gente de olhos cegos que não pedia nem vivia, porém atenta aos milhões. Que jorravam como vimos. E como Manaco podia em fé testemunhar. Boa e má. A fé!
Javier rebuscava em monte de lixo a ementa diária. Agoniava-o o cheiro. Não do monte onde chafurdava refeições e dignidade, mas o do perfume da humana gente que encarreirava as filas perdidas, de almas falidas e vidas esquecidas. Gordos e com trejeitos maneiros de quem não perdoa. Os milhões jorravam. Os dias não acabavam. Em noites de descanso.
Claudomiro parara. Há muito que domara o corpo em sua incessante ladainha de chorar alimento, cortara cerce tal veleidade, de mirra e incenso fazia a dieta, se à alma serviam ao corpo caberiam. Claudomiro pesava o impossível número de quinze quilos, contrariava a ciência e a fome desmedida de quem o esperava para adubo. Miro, o avô Miro como lhe chamavam os meninos da rua, havia morrido morte sábia e mantivera-se de olho aberto e respiração fingida. Era parte dos milhões jorrados, no lado errado por desdita sua, no dos milhões despejados melhor seria dizer. Que sábio era Shimabukuro, o senhor Shimabukuro que no secreto mundo dos sonhos lhe aparecera em trajes de fome longinqua e lhe ensinara a arte aparte de não fazer parte.
Manaco, Javier, Miro e Shima, não deixavam um dia só passar sem rezar pelos deuses, perdidos em sua ciclópica tarefa de ao homem ensinar a ser homem...

E jorrando sempre e para sempre
Os milhões de isto e daquilo
Que não se esquecessem os homens
Do tamanho e pequenez no olhar
Que não via os dias
Não olhava aos homens
E os mandava aos deuses ajudar

foto by red @ bocadosdetudo

5 comentários:

Vitor disse...

"Morriam milhões,aos milhões,ainda que vivos e de pé,de pé e mão,esta estendida,que de cansada não podia já cavar"...cansada não está a tua,que por ela,vemos a de manaco estendida aos céus,na insignificância do seu Ser,na esperança de deus o receber...

Abraço...Amigo

Isis disse...

A ausência valeu a pena… voltou cheio de inspiração. Que os ventos da criatividade tragam sempre a abundância do sentir nas palavras do ser.

Ana GG disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana GG disse...

Pois...
Mais uma estóriazinha (ou zona) boa de se ler...

Não vou escrever mais nada. Para isso estás cá tu!
;)

P.S. Que bela foto!
P.S.2. Ao comentário anterior faltava-lhe uma palavra...

redjan disse...

vitor: abraço 2 u 2 !
isis: que os ventos façam isso então ! ;-)
GG: a foto é uma composição de duas fotos minhas... bocadosdetudo.blogspot.com ... quanto ao resto ... gosto que gostes ... afinal esse sofá é já quase teu !! ;-)