quarta-feira, 15 de setembro de 2010

amélia


Os fins de tarde traziam pois a Emília os passos apressados do mundo e a certeza das coisas incertas. Sabia que nada a faria viver longe da liberdade que aprendera no mundo imaginário de fadas e príncipes pequenos, nada lhe daria o significado das coisas simples se não entendesse a beleza da fealdade, a quietude dos mares agitados e a grandeza do tamanho dos soldadinhos de chumbo. Por isso se deixava agarrar pelas letras falantes de quem pintava, escrevendo, paisagens de um vazio perfeito, em sua completa ausência de fins abruptos. Não a assustava a noite, menos ainda as manhãs, o frio ou as chuvas, fosse leve e fugidia a nuvem, carregada de escuro e papões a tempestade, Emilia recolhia-se e punha-se a recato, admirava, amava, sentia, guardava o de guardar, seguia olhando os dias com a mesma vontade que descobrira num dia agora longe, nas terras onde aprendera o trote dos cavalos selvagens, decidira esconder-se da fantasia periclitante e seu universo de incertezas, trazidas pelos pássaros castrantes das perguntas sem resposta, fez-se sonho sem fim ou lugar, mascarou-se de raposa curiosa e experimentou de novo a sensação do infinito.
A manhã surgiu bruta em sua grandeza, tudo parecia gigante de novo, apenas vazio de palavras vãs, Emilia a raposa, corria solta em seu bosque de ninguém mais que não as crianças, a quem contariam agora seus dias de aventuras em mundo de liberdade, que fantástico o mundo que conhecemos nos dias de histórias e esquecemos na história dos dias ... Emilia corria desenfreada sem olhar ou cuidar obstáculos, voava de ramo em ramo, era macaco solto e feio e amava, calcava as memórias dos corredores e estantes onde sonhara materializar-se gente de estranhos deuses, piscava o olhar ao sol e à lua que lhe adornavam seu novo espaço sem reticências. E Emilia, a raposa, fazia o fim e o inicio de todos os dias em que por companhia tinha os sonhos.
De novo o fim de tarde veio lembrar-lhe que era raposa e curiosa de saberes, voltou ao lugar onde cabiam os mistérios, viu-se sentada num galho da árvore da sabedoria e perguntou-se:
- Quem és tu?
- Amélia ... uma raposa como tu !

Um comentário:

Vitor disse...

Entre telas e textos…perfeita simbiose…como outra coisa não era de esperar!
...Faceta nova,amigo.