Apenas um dia mais, rua acima sem tempo, rua abaixo sem gente, entre dois sóis de inverno em sua flagrante impotência, por entre passos aprendidos em cidade perdida, falho e esquecido de recordações embaladas em histórias de magia e cor, pés sujos e gastos numa indiferença sem esperança, olhar perdido, fingido, camuflado em esquinas de surpresa nenhuma, em parceiros de desdita, de quimera largada, sonho amarfanhado de filhos de deus, seguia M., seguia pois atrás de coisa alguma, como se verdade pudesse ter havido em distantes bocados de dias e lugares, coisa fugaz de tempos de menino largados em correria por vida fantasma. Há quanto tempo estaria ali, quantas daquelas pessoas seriam suas em seu destino, onde deixara de ser menino, rapaz, homem, gente, filho, alguém ?
Caiu a tarde em sua muda de cores, carregada de chuva, trazendo aquele frio e escuro que dividia com Maria, Maria apenas, sem nome nem rosto ou alma, apenas idosa, velha, trapo abandonado, amante perdida, agarrada, vendida e comprada de barato vinho, ao desbarato largada, com mãos de soldado mendigo, olhos de mulher ninguém, Maria, sua mãe, irmã, avó, amiga desconhecida. Encharcados em seu canto, por entre lágrimas de solidão e vinho, por entre imaginadas idas a passado algum, jantaram o nada que tinham, abençoaram a pobre gente que seguia em corridas de passos sós, rezaram ao seu deus, ao deus que por ali estava também, em seu lugar de sempre na terra. Triste os olhou, triste os perguntou: que fazemos aqui ?
sexta-feira, 21 de março de 2008
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6 comentários:
Companhias de uma DEUSA triste.
Excelente, mesmo ao teu estilo. Permite-me que retire o meu excerto favorito:
Maria apenas, sem nome nem rosto ou alma, apenas idosa, velha, trapo abandonado, amante perdida, agarrada, vendida e comprada de barato vinho, ao desbarato largada, com mãos de soldado mendigo, olhos de mulher ninguém, Maria, sua mãe, irmã, avó, amiga desconhecida.
Absolutamente visual. Afinal também tiras fotos com as palavras.
Big kiss...
Ando a ler um livro,qual páginas de histórias diferentes,todas apaixonantes e enriquecedoras,hoje li mais um pouco,e que bem que me soube...!
Título do livro"Redjan...ideias & bocados".
A tua sensibilidade agarra os momentos, os teus dedos solta-os em palavras ....é uma descrição um pouco triste, pelo menos para mim, conseguiste transportar-nos para esse mundo de abandono e tristeza, coisa nada fácil de se conseguir, toca-nos bem fundo...até estou com pena deles, imagina :(! e... "o que fazemos aqui ?" eternal question !!
...e o coelhinho das amêndoas foi com o Pai Natal no comboio ao circo....
e a imaginação não tem limites!
Tem??
Vejamos...
"Maria apenas, sem nome nem rosto ou alma, apenas idosa, velha, trapo abandonado, amante perdida, agarrada, vendida e comprada de barato vinho, ao desbarato largada, com mãos de soldado mendigo, olhos de mulher ninguém..."
É estranho como há por aí tantas Marias como nós...
beijos
É oficial: todas as mulheres são deus. Todas as mulheres são Maria. Nem todos os homens são como tu...
Parabéns.
Um beijo viajante...
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