A noite chegara finalmente ao fim, pouco faltava para de novo a luz do sol encher as ruas e as pessoas em novo dia, Raul, sentado em sua velha cama de rapaz pequeno, olhou o pedaço de papel, releu-o, amarrotou-o e praguejou alto e para si apenas. -
' Vão vocês, para a guerra e para a puta que vos pariu ! '.
Nunca fora de medos ou cobardias, quantas vezes o irmão mais velho defendera em disputas de gente graúda, o seu pai ajudara em amanhos de terra selvagem em dias de neve sem fim, quantas vezes sua mãe consolara pela perda do marido e temores de vida só, quantas vezes percorrera aquele bosque, o velho bosque de lobos e outros bichos que o avô tratara de lhe retratar em quadros de antigas bravuras, em busca do alimento que Deus não mandava. Raul nunca temera os relâmpagos nem as agruras, a pobreza e trabalho de mão e homem, pedia meças a qualquer um em bravatas de vida, arruaças de aldeia, iras de Deuses e outros quejandos mais terrenos. Não temia as balas nem os fuzis, tantos experimentara e usara em caça de recurso ultimo vividas em jornadas sem fim nem gente, quando a terra tudo negava a gente que nela fazia sua existência, sua batalha ! Para a guerra não iria, não por fraqueza ou teimosia, mas por uma alma velha e esquecida, mãe de toda uma vida, que sem ele morreria viva e renegaria Deuses tantas vezes oferendados de parcos haveres, em terços, rosários e velas com chamas de esperança.
Manhã cedo entrou na cozinha, sua velha mãe aquecia o leite de papas de receita caseira, coisa de sobrevivências em pouca abastança, com jeito para a não assustar lhe deu um beijo na nuca e sussurou . - Mãe, morreu teu filho, regressou teu pai, do mundo dos mortos por doença do esquecimento - .
Idalina retrocedeu, confusa mirou aquele homem tão parecido com seu pai, de espanto cruzou os dedos, elevou as mãos, pediu clareza de mente ao seu eterno Jesus.
- Mas, não és tu Raul ? Não és tu meu filho ?
- Não querida filha, sou Abilio teu pai ido e desaparecido, procurado e nunca encontrado.
- Jura meu filho, és meu pai ?
- Sou, voltei por artes de um telegrama, teu filho partiu para a guerra, quis-me aqui para te guardar em viver de gente!
Ao fim da manhã, vieram os homens da Guarda em procura do faltoso, o velho encontraram em seu olhar distante, cigarro apagado ao canto dos dedos, naco de pão à faca cortado, copo de vinho, eterna companhia em terra aquela.
- Por onde anda o homem da casa ? Esperam-no as tropas que hoje partem ..
- Partiu ontem, só e às pressas, tal era o desejo de a Pátria defender, disse-lhe que aguardasse .. ' que não, que não podia, urgia as batalhas vencer '... partiu em correria de coragens e bravuras de soldado.
- Seja, louco apressado, no caminho o apanharemos !
Raul viveu então sua nova guerra, fardado em trapos de velho e tiques de esquecimento, cuidou de sua mãe e tia por anos mais que em graça se mantiveram, seis ou sete ainda foram, noticias lhe chegavam dos mortos da terra, por eles chorou, pela sua vida naquela terra se quedou. Anos mais tarde, muitos segundo consta, as tardes passava em seu sitio deserto de vida, um papel amarrotado as mãos lhe aquecia, sua oração diária murmurava... ' vão vocês, para a guerra e para a puta que vos pariu !' .
domingo, 2 de março de 2008
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5 comentários:
Descobre o site do Sócrates, Blair,do Bush e de todos os filhos da P...que mandam neste mundo louco,e pede aos seus "conselheiros"para lhes traduzirem o teu post,pois o cérebro de todos eles trabalha a pedais...e no fim diz que fui eu q
ue mandei
"Vão vocês,para a guerra e para a p...que vos pariu!
Dás meças a muitos literários da nossa praça,muito bom,muito bom mesmo.
Umabraço.
O novo logotipo do teu blog é vermelho até á alma,espero que o nosso "glorioso"encarne essa alma contra os rapazinhos de alvalade no jogo de logo à noite...:)
Saudações Benfiquistas!
Li durante o meu passeio à hora do almoço e gostei
bjs
Se isto fosse escrito por um SPORTINGUISTA, deixava aqui um montão de elogios. Assim,para o benfiquista, só posso dizer que isto está muito fraquinho, muito fraquinho mesmo.
Agora a falar a sério,esta prosa está muito bem esgalhada.
Concordo plenamente com o Vitor!
Muito bom.
Numa das passagens lembrei-me do Mia Couto e dos seus enredos impossíveis.
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