terça-feira, 13 de abril de 2010
juande papas
Juande Papas era um revolucionário, nascera no meio deles e neles bebera a inspiração dos gritos e a certeza dos dias sem descanso. Vivera no meio do cheiro daquela pólvora quente desde os dias de menino em berço, em braços de sargentos incultos ou generais de corajosa, porém refinada, cultura guerreira. Juande mamara nas ideias loucas dos paraísos justos, brincara de chefe da verdade dos povos, rasgara os joelhos em contos de gente feliz em meio a seus iguais.
Tão logo aprendera a ler, embrenhara-se em históricos relatos de proezas e bravuras, cantadas em hinos secretos ou em romances de liberdade. Juande aprendera a fazer seus os sonhos de todos os homens de alma livre. Era pois um revolucionário, um crente, uma tentação para o diabo que no alto o esperava com suas garras de predador da esperança, com suas mil caras de gente de bem, seus mil vestidos de deusa mulher. Juande, não sendo desleixado, vivia ingénuo e imprevidente, e ainda que não sendo, d'além da revolução, crente, perfilava-se futuro, que não adivinhado, penitente. O cheiro e sabor da pólvora quente que lhe moldara o querer, nele haveriam de resistir até que os dias nascessem sem sol, até que pássaro algum ousasse bater asas rumo ao céu. Assim descobrira que em si seria, esquecendo as diárias negaças do mundo moribundo em seu redor, onde a mentira sem pudor se vestia de coisa séria, linda, quiçá fácil! Onde os revolucionários se esgotavam em enjoados labirintos de reclamações por vida eterna. Burguesa, se possível.
Chegado o seu tempo de surdez e outras pequenezas, resolvera Juande entregar-se a nova missão, qual era a de retornar aos nomes dos guerreiros desaparecidos, dos soldados sobreviventes, dos cobardes escondidos e dos mais que houvessem calcorreado por perto seus quase noventa anos de revolucionário. Morto o sonho, desfeita a esperança, não se iria sem antes balbuciar gaga, tímida, mas intrínseca certeza e guardado sentido de gente e vida. Revolucionário sim, mas não parvo, entenderam? Assim era Juande!
O dia amanhecera com forte chuvada e um calor de derreter vontades ou outras ideias, o caminho até à velha casa dos Papas tornara-se pouco menos que um esboço na lama, salpicado aqui e ali com destroços trazidos pela enxurrada, como se se fizesse fraco anfitrião, e no entanto já ninguém se lembrava de Juande, não precisava a natureza de ajudar com sua revolta chuvosa.
Juande ... velho e esquecido como não ousara sonhar em seus tempos de justiceiro menino, tamborilava pela última vez os seus dedos retortos e empedernidos, entregava-se ao desabafo que soubera guardar em todas as noites que adormecera a lembrar-se do velho cheiro a pólvora, na conquista dos paraísos prometidos por gente adulta que o não ensinara a andar.
E rezava assim o som dos dedos de Juande:
Que burros, mas que burros que são!
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Um comentário:
A imaginação é coisa normal em ti…e quando escreves qual transformista, só ao alcance de alguns…ou mesmo nenhuns!E como eu aprecio essa tua particularidade.
Obrigado pela atenção com a Paula.
Abraço,AMIGO!
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