quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

maria ...


Chegara a hora do escuro, o momento em que voavam os pássaros do medo, chegavam os frios abraços das palavras esquecidas e se arrumava em mão bem fechada a vida de uma vida, sempre soubera esperar pelo exacto vento que trazia o cheiro húmido da terra e mares, como se de um trágico mensageiro velho e desconhecido se tratasse, como se não fôra nela e sua vida de espaços vazios de gente, gente desprovida de vontades tão simples como saber a cor do sol, a textura da chuva e a força dos vendavais, como se não fôra ali que parara a fada contadora de histórias de impossíveis lugares, que no entanto guardara, onde entretanto se guardara, num segredo de bocados únicos. Maria olhava as nuvens e sabia. Do seu caminho e de suas forças, de seus segredos de alto do céu, sempre as ouvira chorar o choro dos deuses e dos outros, trazer os sonhos esquecidos em tempos no tempo, chovendo chuvas de palavras voadas num mar de tanta e coisa nenhuma. Queria um dia gritar alto o quanto soubera amar, mas não tinha a fórmula do amor, quanto quisera, mas não conhecia equações que explicassem o tamanho do querer, quanto soubera, jurara ir e agarrar, mas não sabia como mostrar que as coisas não têm tamanho se nem seu lugar sabem escutar. Chegara a hora do escuro pois, Maria sabia, sentia, revivia, amava, guardava e escondia, olhando o vôo dos pássaros do medo, que sobre ela voavam com respeito! Apagou a luz, e com a janela aberta, bem aberta, todas as janelas que a cercavam em todos os dias que se olhava, adormeceu.
Lá fora, passavam os ventos calados, choviam bocados do mundo dos pássaros e de outras pessoas. E voavam os pássaros do medo!


foto by redjan @ bocados de tudo

12 comentários:

XR disse...

O amor não tem fórmulas, o querer não tem equações, não se consegue comprimir todas as dimensões de uma paixão num quadro ou pintura ... os pássaros do medo voam baixo, calando-se perante tal grandeza que não conseguem abalar, esquecem-se dos grasnidos ao sobrevoar as palavras que nem sempre se libertam, afastam-se da luz que emana de um coração que bate em mil cores sussurrando um nome no seu pulsar - porque sabem que no dia em que o pulsar passar a grito ecoará com tal força que o medo será pulverizado ...
Os pássaros do medo voam para longe.

redjan disse...

XR: irra.. lido assim, até dá gosto escrever !

XR disse...

John:
os outros faziam uma espécie de magazine, isto foi uma espécie de seguimento ... tentar perceber o porquê do respeito que os pássaros sentiam ao passar por ela ;)

Artur Guilherme Carvalho disse...

A tua raiz é definitivamente poética. Quando aceleras a prosa.. é à estação do poema que chega o final da linha... ou da viagem que começa com a mão e as palavras por arrumar. Dá-lhe Xaval. 1 Abraço
ARTUR

Vitor disse...

Amigo,tás com uma XR à altura…nem me atrevo a comentar ;-)

Ana GG disse...

Faltam-me as palavras para exprimir o que senti ao ler esta "Maria". Quando chegou a última hora do escuro já não resisti...arrepiei-me.
E mais não consigo dizer.
Já estou como o Vitor...estás com uma XR à altura!

beijo

redjan disse...

XR: I know the birds, seen them flying ..

art: gosto de pensar que trilho sem ... margens .. ;-) e vindo de ti , THANKS !

vitor: as coisas vão fluindo, nascem e aterram em nós enquanto olharmos a vida e a vivermos. Nem que seja numa noite de calor, num Maputo abafado de noite estranha. Aqui me invadiu a frase ' o momento em que voavam os pássaros do medo ' ... limitei-me a segui-la dentro da minha cabeça.

ana: XR's à parte, sabia que te sentarias e irias ' ler ' este post ! ;-)

Anônimo disse...

Red, que venham muitas mais noites estranhas num Maputo quente...

Isis

XR disse...

John, seen them too ... wings as wide as condors, carrying the stench of vultures and the creeping sound of crows ...
My once broken wings did not let me outfly them at the time and so the words remained unspoken until the chest filled like a dam - a new dawn came, the wings healed and the dam broke spreading all the hidden letters I had kept within.

Now when they fly by the hawke laughs waiting for the rising sun to spread her wings across the mountains that surround the pure spring from where the words flow.

Clarice disse...

Entre nós e os pássaros, entre as palavras e os sonhos, os medos, o amor que se projecta, que voa, que nos foge,que se quer matar e não se consegue, porque se quer sempre de novo, e para sempre... renasce com palavras escritas assim! É com a força das palvras que melhor se olha o céu e por aqui há poesia, sente-se!

redjan disse...

XR: speechless ......!!!

clarice: thanks & aparece sempre que te apetecer .. por vezes arremeda-se poesia de gente por aqui ... sim !

XR disse...

John:
Há muito para dizer sobre os pássaros.
Passa por aqui:
Voo rasante

Beijinhos