quarta-feira, 17 de março de 2010

william james macneven


Dia de sol inesperado, depois de uma semana de muita água a incomodar uma Nova Iorque que ainda assim é Nova Iorque. Chegado na véspera, eu! Não consigo fugir ao do costume, chego via WTC e vou directo ao Essex, parece que tenho saudades dos hispânicos, dos pequenos almoços escolhidos e pedidos em género de Wall Street, coisas desejadas, gritadas para o ar pelo meu amigo a quem nem o nome sei, já os bigodes e cabelo grisalho guardo sempre que saio num ' até breve ' falado para dentro, servidas e pagas à eterna morena com ar de chilena, seja lá que ar tenham as chilenas, pode até ser boliviana, caraquenha, sei lá, nativa do sul por certo, que de americana nada tem, nem rabo, nem ar deslavado.
Saio à procura de uma encomenda para um amigo, a NY tem de se ir em segredo senão não há como escapar a um ' podias trazer-me só isto ' e ' isto ' pode ser tudo, e tudo é tudo! Desta vez apenas um jogo para computador, coisa de colecção no entanto, de não se encontrar às primeiras, desço a Fulton, sigo até ao porto, que ' a couple of Game Stop Shops ' havia de encontrar de certeza, coisa bem explicadinha por polícia dali, daqueles iguaizinhos aos das séries da FOX, camisa azul, pistola no coldre e ar disponível. Azar. Não encontrei. Ziguezagueei no regresso, subi por outro lado, atravessei uns quantos ' Walk / Don't Walk ' e nadica na mesma.
Trinta minutos já lá iam na busca, já me apetecia fumar, foi só o tempo de encontrar um Starbucks, entrar e sair de balde cheio e escolher onde me encostar. E foi ali mesmo, de frente para o ' JR Electronics ', apreciando o sol e as pessoas, e que pessoas tem NY meus senhores, tem-nas todas, desatei a imaginar vidas, queria sentar-me ali o dia todo e prometo que vos trazia um conto. Encostado ao gradeamento da St. Paul's Church, olho pela enésima vez para a estátua daquele homem, sempre ali, sempre impante em seu jardim, personagem por certo, quando não, porque estátua lhe haveriam de erigir? Por entre goles e fumaças, entro vida adentro do Dr. MacNeven. Assim mesmo. Doutor. Breve lhe conheço a origem, irlandês, um de tantos que hoje celebrarão o St. Patricks e darão a NY as cores verde e laranja tão deles e que tão bem lhes fica. William James, fico a saber. Como também que saiu da sua Irlanda por convicções, coisas de deus, e por lá pela ilha são de rigor no que se venera, o mesmo deus mas de modos diferentes, e se de modos outros sai castigo e a coisa, reza a história, dura e dura, e assim se reza à bulha mas com crença. De tal modo que já no século dezasseis o nosso Guilherme Jaime se fizera médico em Viena e por vias e ajudas de um tio nobre que também pelo seu catolicismo em sitio errado se vira forçado à debanda. E, depois de preso quatro anos, viu no exílio sua sorte, ainda demandou a Paris na esperança napoleónica de uma ajuda francesa à sua causa de deus cristão católico, ' mais rien fait '... e chegar à América foi questão de tempo e ventos marítimos, chegaria a quatro de Julho, vinte e nove anos depois dos americanos que o recebiam de braços abertos terem declarado sua independência. E por lá continuou sua vida de sonhos e de homem, por lá ensinou e curou, aprendeu e apreendeu o aroma de um mundo do mundo. E se bem o deve ter feito, pois que a estátua ali atrás de mim não era comenda de encomenda por certo, era honra de quem veio e trouxe consigo um género de alma com que alguns nascem, feita de sonho e honradez.
Acabado o café, apagado o cigarro, segui Broadway acima em busca da Game Stop que ali me levara, não sem antes prometer ao Dr. MacNeven que voltaria, e que voltaria sabendo dele mais do que os dizeres na lápide me haviam trazido naqueles minutos ao sol.
William, quando voltar a Nova Iorque, passo a fazer-te um pouco mais de companhia. E a aprender contigo um pouco do sonho dos homens. Mesmo que chova!

4 comentários:

Vitor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor disse...

…Um homem mesmo que não queira, faça-se de morto, e finge que não te lê, para não se tornar fastidioso…dasssssss, não dá!...tem que botar “faladura” mesmo… porque quem escreve assim, e conta contos e histórias de encantar, e dizia eu, um homem tem mesmo que comentar…

Artur Guilherme Carvalho disse...

Boa Malha, chaval. Boa Malha.

Joaninha disse...

Fantástico! Já está na lista dos meus favoritos.