terça-feira, 1 de janeiro de 2008

naquele dia ... !

Sentado no velho cadeirão de sempre, de gente minha que se foi e ficou , em momentos que teimaram em se agarrar naquele espaço de misteriosos cheiros e danças de saudade, pendurados em velhas paredes que me acenam e prendem, me guardaram em viagens de longinquos brilhos e canções de vozes ternas e sumidas, contemplo a eterna paisagem de mar que nunca dali saiu, me soube esperar num repetido vaivém de teimosa vida, abraçando e fustigando aquele recanto que nosso fizera, onde me seduzira numa fúria de sentidos e sabores, de ensinamentos de velho amigo sem rosto. Levanto-me e abro a janela, velha de séculos, range num tom que me lembra outras noites e manhãs, aspiro com ânsia a lufada de ar carregada da mais pura nostalgia, ganho forças esquecidas em lugares onde me perdi, fecho os olhos e preparo o reencontro marcado com o mundo que jurei não deixar. Lá fora, bem ao longe na vila que me acolheu em pequeno, há muito que estrelejam os foguetes anunciadores da chegada de esperanças novas, vãs e cansadas, juradas e desejadas por magotes de braços ao alto, de eternos e voláteis abraços, uma vez mais não compareci, invisivel mão me puxou para o recanto de segredos que na magia da crença me devolviam bocado meu sempre sonhado, por vezes encontrado e no entanto nunca ficado !
A maré seguia seu curso, insensível a votos e desejos, levava e trazia numa dança apenas sua, de força e caminho sabido, rebentava forte no rochedo que a acolhia e seu se tornava, amante fugidia e de sempre, trazia em salpicos todo o ar que necessitava eu ali, abandonado em seus braços de mãe, olhos fechados e mãos quentes entrelaçadas e dadas a lume de fogueira viva, calor e cor unicos por ali, mundo de deuses desenhados por mãos de menino, mãos leves e finas de sábias rugas. Escutando a musica das águas e ventos, lendo no céu as histórias que nunca alguém escrevera, deixei-me então embalar na viagem que anos atrás soubera descobrir, a porta se abriu e entraram as gentes, todas as gentes que meu nome souberam guardar, meu cheiro sentir, meu sabor levar. E eram velhinhos antigos, meninos idos e perdidos em mundos de gente grande, eram abraços de pureza, colos que embalavam sonhos e esperanças, nomes com letras não apagadas, e entraram e ficaram, dançaram também aquela noite, miraram mar seu também, avivaram o lume e o pó sacudiram numa orgia de dias vividos, novos segredos me contaram, lágrimas me levaram, beijos trocámos, mãos nos tocámos.
Durou toda a noite até que o sol me invadiu em cerimonioso despertar, sabia que aquele acordar era de volta, a lugares mais sós, sem fúrias de mar nem calores e lumes de magia.
Levantei-me, fechei a janela, desci a longa ladeira de regresso ao cais, entrei no barco e despedi-me daquele lugar meu num ultimo olhar. Sabia-os lá, juntos como sempre, esperando sem juras uma resposta:
- Não, nada prometi de novo amigos ... apenas que sentirei a vossa falta um ano mais. E vão e voltem, o mesmo farei eu !

O barqueiro, o velho e nunca esquecido barqueiro, velejou então, de volta à cidade naquele dia de ano novo ! Finda a viagem despediu-se com o seu aperto de mão de gente grande que sempre conheci. Trocámos o olhar e desejámos a unica coisa que sabíamos querer. Não me faltes para o ano, até lá guardo-te algures !

11 comentários:

Anônimo disse...

“…e preparo o reencontro marcado com o mundo que jurei não deixar”. Certo. Sempre. Todos os dias, mesmo que não sejam de Ano Novo. Bom texto, João. E um ano melhor ainda que o texto!...

redjan disse...

Começaria por uma semana melhor .. pode ser Heli ?

E melhor que o texto ... não deve ser assim tão dificil ...

ksss & lots of coffee ... ;-)

Artur Guilherme Carvalho disse...

O barqueiro que nos leva e traz todas as noites, para que as saudades não sejam absolutas. O barqueiro a quem um dia diremos: Já não precisas de me levar de volta. Agora sou eu que recebo as visitas dos outros que viajam para me recordar...
ARTUR

S. disse...

Red, desejo-te um 2008 "FUNTÁSTICO", cheio de sucesso a todos os níveis! ;)

Carlos Lopes disse...

Bom texto, red. É sempre bom ter um barqueiro amigo ;-)

Red Light Special disse...

Estou arrepiada...
Amei este texto.
Se assim começas o ano, imagino o que se seguirá!
Que os ventos desse lugar te tragam inspiração para nos continuares a brindar com "pieces & ideas" assim.
beijos red para ti!

Red Light Special disse...

Não me parece que um dia nos perdemos, mas sim que um dia nos encontramos!
beijos red!

José Ceitil disse...

Até logo, amigo.

Cati disse...

Uau... que belíssimo começo de ano!!!
Um excelente 2008... sempre com bom café e cigarros (aqui ainda se fuma?!?!), mas principalmente com as boas palavras e a amizade que nos dedicas.

Felicidades para ti e para os teus pequenos lampiões!!!

Beijo!

Lourenço Marques? disse...

Em grande!

Abraço,

Wolf disse...

new year... same great coffee!