terça-feira, 15 de janeiro de 2008

relações, ralações e ... correlações !!

Havia anos, muitos mesmo dir-se-ia, que Maria e Manel haviam jurado frente a padre paramentado um amor resistente a saúdes e doenças, riquezas e pobrezas e outros pares de coisas tais que o lar ameaçassem. Tantos anos que, no seu olhar automático em momento de refeição, nem do nome do parceiro se lembravam por vezes. Já nem era o caso da ultima desavença ou desacordo, a coisa desinstalara-se de tal modo que apenas a preguiça de tudo recomeçar impedia que estivessem já recolocados cada um em seu lado. Inevitavelmente o dia chegou em que por causa de coisa nenhuma, se olharam, desentenderam, desatinaram e o destino viraram.
- Foda-se mas o que é que eu vi nesta gaja um dia ? - desabafou alto Manel -
- A mesma merda que eu em ti !! - devolveu Maria .
Duas semanas depois estavam de volta ao ponto de partida e em busca de novo futuro.

Manel, farto de que não lhe fizessem as coisas a seu modo, suspirava pelos tempos da casa materna onde, menino bonito, tinha mesa posta, roupa apanhada e complacência no horário e estado da reentrada. Viuva nesse tempo sua velha mãe, recebeu de volta a coisa mal adestrada , reacendeu chamas de amor sem preço e tratou de tudo compor a gosto do seu Necas. Assim se deu o recomeço por banda do rapaz, tudo nos conformes, nada fora do eixo que girava em torno do seu nariz. Perdoava à velha senhora os roupões na sala, as máscaras de argila, um buço por vezes sentido em beijos de boa noite. Mais ainda, não o incomodava a eterna passeata pelos saldos, nem o pedido para passeio domingueiro. Aquilo era amor puro, casamento ideal, descontando as cenas de cama, incestos e decoro afastavam desde logo aquilo que levava um ano num casamento dos chamados completos e abençoados com fotos para mostar aos amigos ! E, assim como assim, marchava a empregada da vizinha, a filha do merceeiro e uma ou outra amante de taximetro ligado, fintando o destino na sua implacável sina de trazer enjoos a cama repetida.

Maria dava agora graças à sua liberdade de mulher completa. Livre e independente como não se sentia desde que terminara o liceu e se vira desobrigada de exames nacionais, podia agora dar largas a tudo o que era programa cultural e não só, de bolas e amigos com grades de cerveja se vira livre, dormia descansada sem ressonos de justo à beira. Na parte das carências, virava-se bem. Um salto aqui e ali, ao restaurante ou bar de acertada escolha, permitiam-lhe escolher garanhão de toca e foge, boa cama e sala incólume. Em dias de chuva ou menor disposição, resolvia os ataques de subitos calores com artefactos emprestados pela velha amiga evoluida e liberal. No que toca à imaginação, esse campo trouxera-lhe um prazer e surpresa nunca dantes imaginados, com a vantagem de, após lavadas as mãos, por aí se quedarem exigências de carinhos, atenções e jantares na mesa. Parte de marido sustentada a água e sabão, que mais poderia querer ? E sobrava tempo para leituras e investidas pelo até então desdenhado mundo da cultura, para nem falar da sentida e orgulhosa independência.

Passados que foram alguns anos mais, que para surpresa dos dois continuavam a desfilar como no tempo da dividida escravatura de votos e sentimentos, Maria e Manel deparavam-se com nova situação de saturações ... Não se estranhou que acabassem por em nova etapa se iniciarem. Por ironia do destino, Manel conheceu nova Maria, Maria conheceu novo Manel, e num ápice se concederam novas oportunidades! Atentos a tudo o que de errado correra em seus passados de sonho e pesadelo, sofisticadas exigências acautelavam a não repetição de traumas dos precipitados votos anteriores. Cuidadas observações ao mais pequeno detalhe, evitavam invasões a espaços duramente conquistados, de liberdades e respeitos individuais. O tempo gasto em fulminantes contrataques ao mais pequeno sinal de regresso à longa noite de enjoos era visto como aposta e investimento na clarificação das regras de novo amor. Com estes cuidados, conseguiu o par M & M manter seus novos casórios por tempo quase igual ao anterior. Não contavam porém que a corrosão da novidade pudesse voltar a atacar e instalar-se, minando os seus equilibrios de ambições românticas e liberdades individuais. As separações, denominação menos deprimente e legalmente menos burocrática, de novo os lançaram para lufadas de ar livre que tanto sentiam esfumado. Quis a ironia, essa puta de ironia que sabemos existir mas com a qual muitas vezes nos recusamos a lidar, que Manel e Maria se cruzassem amiude no mesmo espaço onde davam vara larga a liberdades e ocupações de tempo que de novo os brindavam. Sabendo que a teimosia de um e orgulho de outro impossibilitaria qualquer reaproximação, quis o Divino a coisa resolvida e forçou o caminho pelo lado mais fraco e animal, injectando ambos com um tesão tal que a chegada a arfar ao apartamento mais à mão , rápido deu lugar a um resfolegar suado e sem pruridos que haveria de terminar num gemido partilhado com uma sinceridade nunca anteriormente vivida. Mais que um olhar culpado e de dividido arrependimento, quiseram forças ocultas que uma segunda seguida fosse dada, fenómeno a pedir divinas explicações naquele par de eternos e jurados incompreendidos.
Manel não acendeu um cigarro logo de seguida, Maria não saiu despachada a desinfectar partes intimas, ficaram a olhar a nesga de mar que lhes parecia imensa através daquela janela que tanto encarecera o apartamento na sua aquisição. Em silêncio se perguntaram se quereriam uma segunda, primeira sincera, oportunidade. Levantaram-se e sairam calados, cuidando de não se despedir.

No dia seguinte, Manel voltou a cruzar o velho parque da cidade, deparou com Maria sentada no mesmo banco em frente ao coreto, hoje banca de jornais, a ela se dirigiu e as horas lhe perguntou ..
- É mesmo isso que quer, saber as horas ?
- Não, queria mesmo sentar-me aqui e conhecê-la, sair um dia quem sabe ! Pode ser assim ?

Falaram sério e de dentro, saíram uns dias depois, apaixonados acabaram. De novo e pela primeira vez. E nunca mais se perguntaram pelas horas sabidas, pois que tal nada de novo lhes traria !

19 comentários:

Maria Manuela disse...

Absolutamente fantástico este texto. Absolutamente fantástico...

redjan disse...

Geeeee m&m ... dito assim ainda acredito ! Tx !

A indecisa disse...

O eterno retorno... será?
Está giro o texto e muito verdadeiro ( muitas vezes)

Bjs

redjan disse...

indecisa: eterno retorno ? não vejo assim ! o POSSIVEL encontro .... de cada um com as suas verdades e quereres ! pode ser ?

A indecisa disse...

Mas as verdades mudadas...ou eu li mal, eles casaram, separaram-se e voltaram novamente (daí o eterno retorno) mas de outra maneira, de uma maneira mais livre, e por isso mais apaixonada

Anônimo disse...

Até q pode estar bem escrito. Tá! Até que pode estar original. Tá! Até que pode apetecer ler e reler de novo porque imprime um ritmo que impõe uma segunda leitura. Tá. Até que pode ter palavras a fugir ao quotidiano e a melindrar as balizas do cérebro. Tá.

Agora que acabe passando a ideia q as pessoas podem amar-desamar-amar de novo, não tá com nada. Não acredito em cenas à Liz Taylos. Mas até que pode... whatever...

Se acabasse com os protagonistas achando um piadão a desenferrukarem-se vez não calha, até que sei lá... agora acabando em e foram felizes mais uma vez mas de novo.Naaaaaaaa.

Anônimo disse...

E porque é que este texto no fim me sabe a Yoda?

Dani disse...

ehehheheh...

Este é mesmo um bom blog, sim senhora! É esse o prémio que tens de ir buscar à meia...

...

E sim, por vezes é preciso libertarmo-nos de horários da janta, de obrigações de partilhas e cedências, de monotonias gastas às quais deixamos de reconhecer o sentido e nem nos lembramos já da sua origem...
Às vezes é preciso libertarmo-nos disto tudos para olharmos com outros olhos a pessoa que temos à frente. Só a pessoa. despida das convenções, obrigações, ilusões... seja assim.

Beijo

redjan disse...

' ...De novo e pela primeira vez.'

indecisa: daí que ... não era um retorno !

ki: daí que ... não foram felizes ... DE NOVO !

Mais .... Manel & Maria , não existem, apenas na imaginação de quem acredita que ainda se escolhem modos de ver e gostar ! Logo .... ficção cientifica, talvez !

danielle: obrigado pelo prémio e lembrança aqui do pieces ! Pelo menos o café ... tento manter quente e em bom stock !

Anônimo disse...

Puxa, tanto ponto de exclamação! Caramba! Ok! Daí que não eram terrestres! Ah! Compreeendi-te!!

redjan disse...

ki: estavam em saldo. os pontos. de exclamação...

PS: !!!!!!!!!!

Anônimo disse...

|Humpf|

Anônimo disse...

Sempre curioso em ler os teus textos,e este, como é normal em ti muito bem conseguido,apenas acho que o final raramente tem epilogo tão feliz,é um pouco o nós querermos que as história que envolvem amor e paixão acabem em bem.Não achas?

Anônimo disse...

As Marias e Manéis deste mundo, que se encontram e se deixam perder, passam depois o tempo a celebrar o que sempre tiveram e o que não souberam perder. Sempre tiveram liberdade, resolveram prender-se... Mas não souberam perder a chave...

Saudades de te ler Red!


Escreveste vida até ao final e acabaste em conto de fadas.....e esses começam assim:

Era uma vez uma Maria, que se perdeu no azul dos olhos dum Manel, e um Manel que se perdeu na bainha da saia duma Maria.....
nã....esta aqui não posso contar, acaba como na vida, e tu queres contos de fadas e ficar a sonhar....



Beijos Red.
É assim que tu escreves....assim!

Wolf disse...

e um deitar fora de relógios então, que em tudo só servem para estorvar e apressar...

Wolf disse...

e manelinhos e mariazinhas...

gr9!

VDT disse...

Bro, do melhor!
Muitas vezes a 1ª Maria não é igual à 2ª, nem à 3ª... mas no fundo, são todas Marias, com todas as virtudes e defeitos que as Marias possam ter.
Por isso o Manel pode ter encontrado a "Maria" que realmente o completaria, qual conto de fadas!

Hugs Jan, continua!

redjan disse...

ki: humpf ? ;-)

vitor: acho e ...desacho.


gata: talvez queira ... who knows ?

wolf: tx 4 the gr10 comment .. ;-)

bro: vou tentando ... continuar ! :-)

Unknown disse...

UAU!Lindo!Lindo de mais! Também quero...Será que algum dia vou sentir algo assim!!!?